Meio-dia. Ôh sole quente. Estrada buraquenta. Enfim, cheguei. Mairi, Monte
Alegre da Bahia. Cinquenta léguas de Salvador, via Capim Grosso ou Baixa
Grande, por onde foi. Verás, verão. Intranquilo desce, tranquila cidade. Olhares, furtivos. Abram as jinelas, donzelas belas, ´stou chegando.
Meia-noite. Gare du Nord, afinal.
Retirar mala, pandeiro, violão, berimbau. Não, não veio, Brigitte, seu papagaio. Não quis a duana. Frio d´outono no
seu rosto, folhas, sob os pés, caídas. Noite em Paris, primeira. Saudades. Minha terra tem palmeiras, onde canta o
sabiá.
Achou a casa do tio. A
benção, Deus te abençoe, abraços, beijos. Como está comadre? Compadre tá bem?
Procurar o amigo do pai. Costinha
Jururu, (gostava do apelido que a si deu, preito ao jurubeba, vinho predileto).
Carta do pai. Que o apresentasse à cidade.
Orgulho, ter sido o escolhido. Estão
vendo? A quem seu pai recomendou? A Costinha, como Pelé fala na terceira
pessoa, não aos bacanas
daqui. Jururu não tem onde cair
morto, mas tem amigo na capital. Mostrava o escrito. Com prazer e denodo
pegava-o pelo braço, apresentando-o aos
da cidade. Filho da terra, de nossa gente, da gema, dos primeiros habitantes.
Sobrinho-neto do Coronel Francelino de Almeida, homem rico, morreu pobre,
pedindo esmolas, por não roubar, ao contrário de muita gente boa nascida pobre e hoje rica, sabe Deus como. Que
discurso, constrangedor, fazer o
quê? Seu jeito.
Gare du Nord.
Saint-Lazare? Busca, hotel.
Luzes na noite, frio gélido na
cara. Față mea? Luso andar em terras de
Luízes. Andar brasileiro na terra dos francos. Olhar moreno na blondice
franca. Fumacê nos bares e cafés. Cachimbos,
cigarros, charutos, talvez diamba. O amargo da cerveja na garganta. Na
telê, perdido na bruma, montado em
cavalo branco, esganando-se por suplantar o burburinho, Adamo?, Becaud? Quem canta
assim, danadamente?
E o soldado Paulo Cobra,
que não é Norato, mas cutibóia, como o cipó,
(Era Koba mesmo. Não, não me chamem
de estalinista, Jaldo Caribé, hoje no reino da paz, - prefiro o inferno daqui
-, me fez este alerta), arranjou-lhe a primeira questão: Um desquite, (Divórcio,
inda inexistente). A lei: O casamento válido
só se dissolve pela morte de um dos cônjuges; Não separe o homem o que Deus
uniu, berra a Igreja. Cria-se o casamento civil, arenga: Só Deus pode unir o homem à mulher, opondo-se
ao decreto 181 de janeiro 24 de 1890. Vangloria-se Rui Barbosa.
Ter divergido do mestre, Macedo Costa:
Porque não era aturdindo as consciências com o
estrépito de improvisos violentos que havíamos de estabelecer a
liberdade religiosa: - era pelo contrário, inquietando o menos
possível as almas, e poupando a
liberdade de cultos que desejávamos firmar na máxima plenitude e com a maior solidez, a hostilidade das
tradições crentes, em um país educado
pelo cristianismo e pela superstição. Temperança, equilibrio de Ruy; imposição,
autoritarismo eclesial, no Império e na República, não permite o
casamento religioso sem o civil. Sem direito de escolha, proibir dupla núpcias.
Religião, religião.
Um casal, criava com zelo e
dengo sua única filha. Escolheram tanto, casou-a com um jovem vistoso, elegante, um pouco bandavoou. Trinta
dias, (não sei), volta, chorosa, arrependida à casa dos pais. Ainda estou virgem mamãe, ainda sou moça
papai. O velho pegou do revolver, da peixeira e do facão. Encontrar o
genro. Seu vagabundo, seu xibungo descarado. Que houve meu querido sogro? Você
ainda me pergunta o que houve, com esta cara sem vergonha? Então você casa com
minha filha e depois de um mês ela continua virgem? Hehehe, ahahahaha. Ah, entendi. Como foi que eu casei com sua filha? No
religioso e no civil, seu moleque. Pois é, sogrinho, estou primeiro no religioso. Ai, meu deus, gritou
o sogro, que minha velha está me devendo mais de trinta anos de cu.
Depois de reencontrar o
oficial Mauro Gelado, em Mairi, moreno, o nome já diz, frio tal camucim, daí o apodo, tenho cá
minhas dúvidas. Quem realmente o apresentou ao primeiro cliente? Mauro, que não é Terenciano, nem poeta, nem
gramático, mal sabendo rabiscar certidões, sim, lhe trouxe o desquite de João Calixto. Provecto senhor. Jovem
mulher. A traição, o motorista do prefeito. Ficava mais na fazenda, deixando-a
na rua. Educação dos filhos. Vinha no final da semana, quando lhe subia o fogo,
normalmente baixo, pela calmaria própria da idade. Fanfarrões, os idosos. Uma a cada noite, o anoso mente, só cachorro
doente. A bicha fica enzamboada, nem sobe, nem desce, uma espécie de limbo,
estado indefinido, não é sólido, líquido, nem gasoso. Há sempre um dia. De
supetão, pelos fundos, de cara com o amante.
Correu a espingarda do ombro, não teve tempo. Sedutor, (ou seduzido)? espavorido, fugido,
chinelos, chapéu deixados. Rastros para o desquite. Litigioso, queria, desmascarar a traidora. Como se todos não soubessem. O marido, sim, o derradeiro a saber.
Poderia cantar a canção:
Mas agora eu sei
O que
aconteceu
Quem
sabe menos das coisas
Sabe
muito mais que eu
Traições, estapafúrdias soluções. Portugal, 1715, Dom José assina lei. Ajudar maridos traídos descobrirem sua cornice. Quem
soubesse de uma traição deveria denunciar o chifrador, colocando chifres
em sua porta. Oferenda ao chifrudo? O coito em cama alheia sempre foi, em qualquer tempo e lugar, crime
gravíssimo, quase sempre punido com a morte, a mulher, claro, pois, o sedutor, em geral, nada sofria. A bela Costanza, não muito
constante a Bonarelli, o maridão, amou Bernini e seu irmão Luigi, pérfida in
bis, e foi desfigurada a navalhada, a
mando do escultor, sob o beneplácito de Matteo Barberini, ou Papa Urbano VIII,
de cuja amizade suspeita, gozava o artista. (será que eram amantes? Papas
existiram de todo tipo, até mulher vestida de homem. Traveco, o Ronaldinho iria
adorar.). Divino artista, homônio, demome. O que não faz um tipo por uma
chiranha!
No século XI, a infiel era
assassinada na praça, perante uma
multidão ávida de sangue e vingança, como inda hoje se vê entre alguns. Tanto rigor não corrigiu o
humano. Será mesmo o coito extraconjugal mais gostoso do que o papai e mamãe de
cada dia? Esquimós e índios das Américas mais sábios e felizes, sem saber o que
é cornice, até ofereciam suas mulheres, provarem
hospitalidade. Fazem sua praxis o ditado, lavou
tá nova. Mundo doido. Imundo. Louco mundo. Em Hong Kong, a mulher traída pode matar seu
marido desde que, com as próprias mãos, missão quase impossível, quando se pode
matar de qualquer forma a amante do marido. Discriminação!
Na Cité Universitaire. 7 L,
Boulevard Jourdan, La Maison du Brésil de Lucio Costa e Corbusier .A carta do
português ao amigo Quertezer (pronuncie Quertezer, oxítona. Aprenda. No
vernáculo, as palavras terminadas em i (y), l, r, u e z, se não houver acento
antes, são sempre oxítonas. Não imitar o anglo-americano. Palhaçada): Leva
ele muita coisa na cabeça e mais no coração. Merece sua ajuda. Tira das vistas o papel, diz ao retirante.
Paris não é lugar pra gente sem
dinheiro. Volte logo, se não quiser
morrer de fome, aqui não é o Brasil. Sentenciou.
Quatros anos depois, mal sabia, Maio de 68, retornaria, naquele instante, ocupar e expulsar daquela Casa os
bolsistas, filhinhos de papai,
afilhados políticos. Sem conhecer telefonia, toma posse da portaria.
Tudo tão confuso, como a própria revolução de jovens. Não sabiam o que queriam,
apenas o que não queriam: A sociedade burguesa.
KaRa de fome e sorriso nos
olhos de seu povo. Língua ouvida, esfarrapada. A voz do sertão. Como o canto do
assum-preto, negro como os cabelos d´Iracema, a virgem dos lábios de mel. O sábado menino. Comprar rapadura, dois´tões. Sacos. Sacos de
farinha, punhado apanhado, misturar na boca. Ô m´nin, danado. O olhar curioso dos roceiros. Seu traje, seu
trato. O filho da terra, um a lembrar-lhe
parentesco, mesmo por trás da serra. Que buscas tu, neste desertão? Voz
partida, perdida a cara.
No cartório de Aloisio
Leal, (que não se mostrará tão leal quanto o nome diz, tu verás), o dialogo da
iniciação nas coisas da justiça. A sarará grita, esperneia, arrasa.
- Padinho, o sinhô num pode impedir que eu receba o que é meu. Num sou mais u´a
criança. O sinhô só me tem prejudicado o tempo todo. Quero tomar conta do meu. O escrivão rebate:
- Sujeitinha mal agradecida. Devia lembrar-se
do quanto eu fiz por você.
A sarará. Mulher.
Mulher-mulher.
- Sujeitinha? E o sinhô? Um ladrão. Covarde. Correu da polícia federal. Comunista, cagão. Se ajoelhou
nos pés do capitão. Chorão. O inventaro
é meu, a terra é minha. Só quero o que é meu. O sinhô num pode ficar com
a terra toda vida, só porque inventou de ser ventariante.
O bacharel baixou as
vistas, envergonhado. Cala o escrivão sentado em sua ira. Não aguentou a
catapulta. O escrivão de justiça, que nunca foi da puridade, pelo poder, ali como se fosse. O benfeitor da cidade. Tudo sei de lei e da
justiça. Inquisidor, meu espanto.
Seguro, muito seguro. Justiça?
ora, justiça! Já fizera muito por aquela gente, dizia. Todos aqui me
devem alguma coisa. Isto era uma tapera. Não havia estradas. Cheguei há vinte e
sete anos, em lombo de burro. Assumi o cartório. Lia até altas horas. Fui e
continuo sendo tudo aqui, porque todos são analfabetos. Era ao mesmo tempo
escrivão, delegado, juiz, promotor, advogado, professor, enfermeiro,
farmacêutico, enfim, o diabo. Disse-o, veremos. Um recibo, uma nota promissória,
uma carta, tudo, enfim. Conselheiro.
Fazia as pazes entre marido e mulher. Entre amigos que brigavam. Fiz o ginásio. Trouxe a luz. A estrada. O
banco. Tudo fiz, tudo faço. Tiro Juiz. Promotor, fica quem eu quero. Advogados.
Todos me seguem. Sei tudo de justiça. Nunca perdi uma questão. Quem me segue
não perde questão. No tribunal todos me respeitam.
- Tá, gostei de você, menino
inteligente, conte comigo, sempre. Ajudei muita gente, hoje, bem em Salvador. Juízes.
Eu fazia os relatórios. O tribunal nunca
fiscalizava. Dos promotores, fiz procuradores, dos juízes,
desembargadores. Deputados, graduados na administração, todos que passaram
aqui, (mostrava as mãos) estão bem. Eu os modelei, siga o exemplo deles
Abria, paternais, os braços.
Busca. de hotel. Cheios,
caros. Dormir. Precisam. Não há, metrô, est´hora. Como chegar aos parentes, os tugas?
Extenuados. De Lisboa a Paris, no salto (cruzar
a fronteira Portugal a atravessar a Espanha a salto, a pé, clandestino). Pegar o trem, (eles chamam
comboio), da Sud Expresso em Hendaye na
França, que partira de Santa Ifigênia
para Paris.
Jovem andante, aventureiro,
que te vai pela cabeça? Mocinhas casamenteiras. Não estou pa vocês. Que digam que me querem, me amam. Gostoso, um gato. Sexo,
medroso e incompleto não me satisfaz. Virgens apavoradas, prostitutas mentais,
fujais de mim. Afasta meu olhar de teus seios endurecidos. Por que mostrar-me o
sexo apenas púbere? Vem-me o orgasmo
mais ligeiro, ouvindo os grunhidos de amor de gatos no telhado. Não me atraem
teus gemidos ensandecidos pelo medo. Linda morena d´olhos apertados, cor de
mel. De certo, cresce-me o sexo por tua pele acetinada, que se emurchece, se
recolhe no seu leito, co´a frieza de teus passos, e a incerteza de teus laços.
Tinha entrado, sem ninguém o
perceber. Deitara-se. Vistas no telhado,
de cujas frestas coava-se a luz. Os tios, haviam saído. As garotas, na
caça, invadiram, com alarido, o
ambiente. Perguntam pelo primo às primas. Ouvido atento às vozes.
Risos, gritinhos, gargalhadas. Meu cravo, sou tua, o jasmim de teu jardim. Me
dá um beijo, te dou tudo que quiseres. Ai, se te pego, eu te mato. Eu te pego
lá no mato, delícia. Trá, lá, lá, lá. Káska, hrob, Adad, rad, krk, kriz, krutý,
krásny, slepý, mrtev, tev. Ya, yaô,
yô, ka, ki, pin, pó, porã.
Agon. Amém.
La blonde tem bunda mole. La
brune tem bunda grande. Tanajura que me ama. Quero ver você dar sua risada.
Pavão misterioso gritando no telhado.
Raposa inebriada pelo mel.
Guaxinim chupando cana. Como gralhas no
galho da jurema. A ema gemeu no
galho do juremá. Fim de l´amor, condor. Ay que mi moiro, doncellas.
Morrem as vozes,
nomirsti mundo, que morra. Mrtev, tev.
výkrik, krik. No seu peito, a angústia. Abre o livro. Estuda sua primeira
questão. Um desquite. “O casamento válido só se dissolve pela morte de um dos
cônjuges,” dizia o Código Civil. Um divórcio à brasileira. Continuam os dois
agarrados um ao outro pela lei, não podem casar novamente. Inda uma imposição religiosa. Será deputado.
Fará um projeto de lei, casamento por
tempo determinado. Não é uma sociedade como outra qualquer? Criará a poligamia.
Deus permitiu a Salomão ter setecentas mulheres principais e trezentas
concubinas, por que não permitiu aos outros casar e descasarem. A poliandria também, assim era na Palmares de
Ganga Zumba e Zumbi. As mulheres, bem
visto, tem vontade de dormir com mil homens.
Horus, (Chama-se Horus?, um
catingueiro?). (Osiris, Horus e Isis, a
trindade. Pai, Filho Espirito Santo). Horus te chamas? O portuga, acostumado
aos Manueis, Joões e Josés, pergunta admirado, enquanto lhe passava a botija de
vinho para regar o bacalhau seco, engolido no sacolejo do trem. De nossa mãe, gerado, sobre o corpo inerme do esposirmão, pousada.
Amamenta teu filho, Cheia de Graça. Em folha de revista achado. O homem não escolhe o nome. Ele é o
que aos outros lhes parece.
Nordeste. Homem e nome são suas
circunstâncias. Horus, Único nas
Alturas, o Elevado, o Distante, Senhor do Céu, o Senhor das Estrelas. Que te
passa pela cabeça? Olhos chamejam, cheio de areia.
E agora, que fazer? Ao
compadre Hugo, uma carta escreverá. (Itambé, em ti me vejo, no Tango de Tárrega. Cai a tarde tristonha e serena, em macio e
suave langor Despertando no meu coração a saudade do primeiro amor! Plangia
Calheiros do altifalante a canção d´Erotides. Dorotéia Vai à Guerra. Peça de
Carlos Alberto Ratton, sob a batuta de
Álvaro Guimarães. Nonato Freire, Dorotéia. Lola di Laborda, Madalena. Produção,
Eduardo Cabus. Você tem de ver. Comédia,
um pouco erótica, violenta, e de humor amargo. Dorotéia (Nonato) - velha
octogenária - vive com a filha Madalena, longes de mundo. A filha sustenta a
velha, mourejando os números, as finanças. Dá comida à “mãezinha”, lê as noticias do dia, liga-lhe o rádio, ouve
suas queixas, dá-lhe o remédio, ajuda-a
a fazer xixi, liga-a ao aquém. Vida versus morte. Dorotéia é autoritária, importunante,
irônica, gozadora, sarcástica, egoísta, mentirosa e ladra. Madalena, honesta, trabalhadora, obediente
e ingênua. Lendo as noticias pra sua mãe, descobre a traição do chefe.
Casara-se com outra. E ela o ama. La madre fez sua desgraça. Revelou ao chefe um
segredo. Não era mais virgem. E Madalena cai numa realidade que ela teimava em
não admitir.
Personagens e atmosfera
Beckettianos. Linguagem e situações rendem homenagem a Ionesco. Obra original,
entretanto, pela brasilidade. Álvaro conseguiu situar-se bem entre os dois
polos da obra: Humor e violência. Equilíbrio total. E neste ponto, acredito,
tenha o diretor superado o autor. Alvinho como um mágico evitou exageros, fez
rir e deu seriedade ao grotesco. Um ritmo admirável. (Que o diga o professor
Anatólio, imbatível caçador e maior
autoridade em ritmo teatral na Bahia.
Seu Painel da Peste, de cuja direção fui, com prazer e honra,
assistente, comprovam sua autoridade. Um ritmo uno, monótono, sacudido apenas
pelo chocalhar das cabras de seu sertão de Araci, afugentando a implacável, de
cujo desafiador tridente saíam as cartas que ditavam a vida e morte). Aqui o
ritmo vai num crescendo tão suave que não se adivinha o paroxismo a que chega
no final. Encurrulados ficamos num ambiente de hospital onde tudo cheira a
velhice, doença e abandono. Nonato Freire apreendeu as lições do diretor e a
alma do personagem e foi uma Dorotéia
humana, divina e diabólica. Lola di Laborda um pouco reticente, mantendo-se,
porém, à altura de responder aos fluidos emanados de Nonato. Vi-o no último fim
de semana em Salvador, você deve ir vê-lo,
um espetáculo gostoso de se ver. Não posso acreditar que suporte
isto aqui por muito tempo.
Treze de julho de 1971. Um
dos melhores momentos do Vila. A
adaptação e montagem do Quincas Berro
D´Água de Jorge Amado por João Augusto.
Quincas um dos mais interessantes personagens do escritor baiano. O
mundo de Quincas com suas tristezas e
alegrias, contudo, solto, livre e leve. Quincas Berro d`Água, o homem que soube libertar-se
das peias da moral burguesa e recriar uma vida junto aos vagabundos e
prostitutas, talvez, os verdadeiros donos do mundo.
O início do espetáculo contagia
pela música e canto, vontade de subir no
palco e cantar com os amigos de “Berro”. Mais narrada que dialogada, a peça é
perpassada por um tom nostálgico e saudoso daquele que foi o amigo de todos.
Onde houvesse bar na Bahia se comentava a morte do velho Quincas. Era luto e
choro. Um a um ia se inteirando da morte do velho “Berro” e se encarregando de
difundir a noticia - : “É feriado na Bahia”. O palhaço Curió dilacerado
anunciava na Baixa dos Sapateiros que todo o tecido do gringo Elias seria
distribuído de graça pois seu amigo Quincas Berro D´Água havia morrido. Benvindo Siqueira, deixara boas
oportunidades o Rio e veio curtir o
teatro baiano, e aqui, tem feito trabalhos maravilhosos. Curió na pele de Benvindo ficará sempre na nossa lembrança. João
Augusto atinge em vários momentos o
patético como na cena do cabaré, apesar
de um pouco longa, arrasta o público do silêncio profundo à completa
hilaridade. Somos levados à meditação e ao riso, tal a firmeza com que João
conduz seus atores. Um pouco prejudicado
o espetáculo pelos iniciantes.
Não foram capazes de acompanhar o ritmo dos atores mais experimentados, quem
sabe, pelo curto tempo de ensaios. Em sua primeira aparição o Quincas de Wilson
Melo, levou o público ao delírio. Talvez o melhor momento da primeira parte. do
espetáculo. Nilda Spencer na Otacília, mulher de Quincas, está terrível. Quincas não poderia ter tido
outra mulher. Wilson Mello, ao meu ver, o melhor ator da Bahia. Seu Quincas é
quente, moleque, gracioso, sarcástico, irônico e, sobretudo, humano. Acredito
ter perdido o espetáculo, na segunda parte, apesar de ser a principal, um pouco
o domínio sobre o público. Diálogos, alguns,
demasiado longos e, de certa
maneira, despropositados, especialmente, algumas falas das prostitutas Rita e Firmina. No velório de
Quincas onde as cenas patéticas deveriam
existir, onde a denuncia e análise de comportamento deviam ser mais profundas,
tal não aconteceu. Maior seria o rendimento se algumas cenas da primeira parte fossem levadas na segunda,
e assim não teria caído o espetáculo. O poético renasce quando os amigos de
Quincas começam a despi-lo, vestindo-o com suas verdadeiras roupas e começam a
dar-lhe cachaça. Aí, volta o espetáculo ao nível inicial. Aí temos a Bahia e a gente
da Bahia. A segunda morte de Quincas é uma apoteose. Quincas nunca deixa de ser
teimoso e enfrenta o mar e o vendaval. “cada
um cava sua sepultura”, diz. É o ultimo conselho do velho filósofo, o homem
que soube livrar-se das jararacas,
construir sua nova vida. JA continua a obra iniciada há alguns anos, levando ao
palco as alegrias e sentimentos de pessoas simples, do povo. Não se deve perder
a oportunidade de ir ver obra tão humana e creio que você irá vê-lo. Sei que
gosta mais de cinema, mas o teatro é único,
não se repete, um só espetáculo. Se o vires, vistes, ou não verás
jamais. Um único suporte, o homem. Um ator e o espectador. Nada mais. Nem
cenário, nem texto, nem luz, nem roupa, nada. Isto é o teatro. Vá ver e não se
arrependerá.
Aqui tudo igual. A cidade,
nem grande, nem rica. Poder-se-ia ganhar algum, mas o juiz, como todos, nada
faz. Disse-me, rindo. Trabalhar para
encher barriga de advogado? Não muito longe do pensamento de um certo
ocupante do Supremo. Todo advogado é preguiçoso, só acorda depois do meio-dia,
além de ladrão, gasta o tempo
inventando ações com o fito de roubar os incautos. Voltando à vaca fria,
a cidade, nem brega tem. Imagina, uma cidade sem brega. O brega é o circo, o
cinema e até a igreja de uma cidade. É lá que os homens vão desafogar suas
mágoas. Onde todos, prostitutas, proxenetas e clientes se tornam médicos,
professores, psicólogos e até confessores. Uma cidade sem brega é uma cidade
morta. São elas, as prostitutas que trazem, como os ciganos, lembremos de
Macondo, toda a novidade do mundo civilizado. Trazem a moda que a madame, após
torcer o nariz, fazem os maridos comprarem a peso de ouro nas mãos dos mascates
sírios, libaneses, todos turcos, dizem,
o perfume, a seda e o último borzeguim usado pela Mistinguett em Paris. O juiz
mora na capital, e só vem à comarca uma vez por semana. Há um ônibus que chega quarta-feira. Ele vem, em geral, neste dia. Mais ou menos às
onze horas, o motorista pára bem em frente ao cartório onde também reside o
escrivão. Desce o baixinho, (aqui, conhecido como Baiúca, nome de uma cachaça, famosa no momento), e vai direto ao
cartório. O escriba o espera.
– Rosa, vai buscar a
cerveja do doutor, diz e a secretária
corre buscar o líquido.
O escrínio do meritíssimo
tem uma gaveta onde o serventuário coloca a botelha da cevada de cuja
fermentação o magistrado costuma molhar a toga. Traça um traço, traga um trago.
Algo como tocar fogo n´água ou dizer miolo de pote. Despachos que não
despacham, mais complicam que despacham. Não são despachos, são ebós mesmo. Mais fácil, aliás,
livrar-se de um ebó que de seus despachos. Põem as partes numa encruzilhada que
nenhum Tranca-Rua seria capaz de tanto. Os processos ficam assim, estado de
total inércia, porque não há quem possa
interpretá-los.
O escrivão trata-o muito
bem, porque, dizem, lê na sua cartilha, pois só dá despacho realmente eficaz
quando o processo é de seu interesse. É verdade, o tal escriba advoga. Come dos
dois lados. Existem aqui dois rábulas. Dois velhos rábulas. Nada sabem de
direito. O carapicu faz as petições e
eles as assinam, e assim, o serventuário passa a ganhar dos dois lados. Dos honorários, sua a parte do leão,
aos rábulas as migalhas. Com esta
artimanha, conseguiu fazer fortuna. O tribunal sabe disso, providências? que
sonho! O juiz, este, nem se fala. Até inteligente, mas completamente
envilecido. Vive na sombra do serventuário.
Disse-me que há dez anos não pega
num livro. E precisa você ver com que orgulho fala disso. Além da cerveja, sua
outra amiga é a cachaça. O pessoal colocou-lhe o carinhoso apelido de Dr.
Baiúca, nome de uma cachaça muito apreciada na região. Ata gosta deste apelido.
E é por isso que a comunidade o assimila, já que, a pinga é, nesta terra, o
melhor meio de se fazer amigos e a caninha vai se tornando, de longe, o produto brasileiro mais
representativo, entre todos os que aqui produzimos. Bem que poderíamos
modificar a bandeira brasileira: Toda branca, uma garrafa e a inscrição: “Viva
a cana”. Não foi a cana um dos nossos
maiores produtos de exportação? Não adoçamos a Europa por longos anos? Não enriquecemos nossos usineiros com a
caninha? Ah, sim, ia-me esquecendo. Hoje temos o futebol, arrasta
multidões, anestesiam mentes. Mas a cachaça molha a bola
dos Pelés, os cruzados amealhados por cholos e mulatos à custa de pão e
feijão.
Ainda na linha do juiz,
existe aqui um cara, que de tanto beber,
já não se emborracha mais, porque, se eternizou borracho com o primeiro
gole. Oto, também escrivão de justiça. Dizem até que a bebida lhe faz bem,
porque lhe mantém vivo e faz milagres. Faz o milagre de, sabendo falar, não se entende o que diz, e ao
escrever, não se lê o escrito. O juiz não o
repreende. Medo de lhe apontarem. Boato, além de bebum, bicha, xibungo. Aqui nem é viado, só coisa
ruim, insignificante, reles. Ser baitola é defeito? Profissões
diversammtemmdor,sei,viaoo=iversas t:em amrconsçTodas as profissões têm pamericano,
horror e verdugo de gays, gangsters, mafiosos, comunistas e ativistas dos
direitos civis gostava de queimar a rodinha com seu auxiliar? Justiça é de
garantir-se, não importa que se
desmunheque. Se é cega, pode ser
tudo. Moral ilibada? Tão só
entrar na magistratura? Depois, solta-se a franga, torna-se mercador de
sentenças. Quando a corregedora nacional do Conselho Nacional de Justiça Eliana Calmon, declarou existir “‘meia dúzia
de vagabundos” “infiltrados na
magistratura”, certamente, peço vênia,
estava errada.
As mazelas da justiça.
Culpados os juízes, os servidores, a sociedade. Problema, conjuntural, sobretudo
estrutural. Melhor dizer: existe no judiciário
“meia dúzia de homens bons”.
Um poder, a reboque do
esforço pela democracia. Autoritário,
fechado, antidemocrático. Onde não existe transparência, não há democracia, só corrupção.
Mude-se as estruturas ou
viveremos, eternamente, com a “meia dúzia
de vagabundos”, magistrados, às vezes, mas não sempre, reféns do sistema desde a colônia, servidores se vendendo pra cumprir,
ou deixar de cumprir o dever. Vendudos,
como damas teúdas e manteúdas.
Cada povo encontre seu caminho. Não se deixar embalar
pelo encanto da serpente, roubando-nos tempo e capacidade de reflexão. Futebol, carnaval, novelas, o encanto da
serpente, pão e circo, mais circo do que pão. Gritar, protestar,
exigir ou, nada de reformas, burocracia
e ditadura. A democracia, não é o voto, muito mais que isto. Um juiz te tem nas mãos, uma vida. Vitalício,
democracia?
Um magistrado. Muito, quase
infinito poder. Acabe-se com ele. Será deputado. Apresentará um projeto de emenda
à Constituição. Fim da vitaliciedade. Cargos vitalícios, que vergonha. Rotatividade do poder. O homem não pode
ficar, indefinidamente, num só cargo. Estudará e desenvolverá uma tese: A rotatividade do poder é a maneira mais eficaz de se evitar a corrupção.
Não mais que cinco anos num só cargo ou função. Nem mesmo um policial. Fim do
carreirismo até na Armada. Ninguém mais abusará
do poder. Não haverá político profissional. Proibidas reeleições. Juízes, eleitos por
cinco anos tão só. Desembargadores,
ministros idem. Teria um policial
coragem de cometer arbitrariedades, sabendo que
tem só cinco anos pela frente? Poder-se-ia permitir, no máximo, a
recondução a cargos eletivos, passado um período de tempo. Reeleição, nunca.
Nem síndico de condomínio. Imoralidade,
fonte de corrupção. Todos teriam a oportunidade de exercer o poder um dia em
sua vida.
Morfeu vem chegando. Bom
que possa me aturar. Não sei fata quando serei advogado. Meu caro Hugo, somos
mais artistas que advogados, concorda? Inda sonho continuar nossos projetos, deixados no papel.
Publicidade, cinema e artes, inundar o mundo, ganhar dinheiro com o que se
gosta. De Glauber a Mazzaropi. Sem
preconceitos. Rir, chorar e pensar. Você se lembra da Exceção
e a Regra? Fiz o soldado e um juiz.
Peça pra pensar, como todo Brecht, mas quem me impede de fazer
pasquins? Arte de elite é fácil, tem-se
dinheiro e se vai ao teatro, mostrar-se, mais que ver. Arte pra pobre, difícil. Não vai ao teatro, tem até
medo, não vai porque não tem roupa, já me falaram. Se assim, o teatro tem de ir a elas. Peças
fáceis, ágeis, engraçadas e dinâmicas, em praças, nas igrejas, nos colégios,
nos campos de futebol, nos parques e jardins, nos terrenos baldios, onde se
possa reunir pessoas. Apesar da música ser a arte mais popular, a que mais toca
o homem, porque não é preciso entendê-la, basta gostar, o teatro é a única arte
que se pode fazer com duas únicas pessoas. Um ator e um espectador. Você pode
prescindir de cenário, de indumentária, do som, da luz e até do texto e da palavra,
só não pode faltar o ator e o espectador. Pensando assim, Grotowiski criou na Polônia o teatro pobre, ritualístico. Não importa o tema, por enquanto, o
importante é mostrar-lhe um´outra forma de ver o mundo. Numa temática
reacionária, não foi o caso, se pode
lançar um raio de luz libertador. A teoria do distanciamento, de Brecht dificulta, acho, o entendimento de quem está acostumado
a emocionar-se com novelas, e, mesmo jogando com linguagem de fácil
entendimento, como fez Hackler na Exceção, ainda acho melhor, um pouco
de emoção: atingir a massa. Digo,
vale muito aquele trabalho. Pena, tão
poucos viram. E o diálogo dos soldados, eu, Alberto Martins e Reinaldo Nunes? No início,
saiu um soldado convencional, depois Hackler: Imagina um soldado naqueles
confins de mundo. Cê viu o velho Gama? Que vigor João Gama. Se americano, a
Broadway, Hollywood, o mundo todo, conhecia. No Brasil, atores, por amor
trabalham, às vezes, sem remuneração, Querem ser vistos, anelos sufocados pela mediocridade humana.
Seu primeiro trago. Meu
primeiro trago? Um grogue, café e conhaque. Esquentar o frio. O fumo, não, da
paz, da solidão, tragado. Não. Não são quengas as meninas ali, fumando.
Estudantes, secretárias, coiffeuses, jovens e maduras. Ouvir Trenet, Brassens,
Ferré. Vivem a noite em Paris, a vida na
Gália.
Olhar pendurado nos teus
olhos. Azuis, verdeazuis como o mar de minha terra. Teus cabelos mays. Oh
Chantal, mair Chantal. Fala que te quero ouvir
Chantal, habibe. Canta, dulce voz em meus ouvidos, um dia terás meu
violão. Diz uma canção de ninar. Eu tenho sono. Eu só quero te ouvir. Até
dormir e voar e voar.
A voz de Gandra. Estás a
dormir, pá? Fala o português e anda. E me acorda de meu sonho. E anda, e ando. Andro. As folhas no chão, sob
meus pés caídos. Volta à estação. No corpo, o banco, o chão, o sono e o
sonho.
Continuação no Livro Noite em Paris, breve nas livrarias.