No banco a noute fora longa e friorenta, naquele
outonal verão em Paris. Resistiram brasileiro e lusos, pingüins amontoados,
carregando  sonhos e pesadelos. José Manuel
iria se unir aos pais, fizeram o salto (A
pé, D´Espanha té França) antes, quando ainda se encontrava matando gente e
bichos n´Angola, aonde fora mandado desde que sentara praça. Portugal alimentava
com corpos jovens, quase imberbes, as colônias d`Africa, D´Asia e Oceania, num
orgulho besta, pois há muito perdera o império dos mares, tomado por flamengos,
francos e britânicos. Grande Zé Manuel, indignado porque o chamavam de Manuel. Ouve
lá, pá, por que me chamas de Manuel? Oh, desculpe, sempre pensei que te
chamavas Manuel, mil desculpas. Como te chamas então? Tu bem sabes  que eu me chamo José Manuel, pá. Rsrsrs. O
outro, Antônio (eles escrevem António) Alexandre, vinha matar em Paris a solidão
das noites timorenses. Timor, ali fora jogado pela  armada, tão logo se engajara. Sua única
diversão no forte de  Santo António de
Lifau,  de quinze em  quinze, era o 
caminhão de víveres e suprimentos, 
da capital Dili; Suprir a fome daqueles soldados  abandonados 
nos confins da Melanésia,  um
dia  governado por Antônio Coelho
Guerreiro, intimorato brasileiro que amou Timor como  Pernambuco, sua terra.  Lembrava, com certa nostalgia, de Flora,  diaque, bela Flora,  nativa que lhe acalentava as noites quentes da
Pérola do Oriente, como a chamava o pernambucano, cantando numa língua mista de
português e tetum, este, por si só, já impregnado de português,  decorrência de longos anos de domínio  luso sobre o povo maubere, uma canção
arrastada e modorrenta. Como era limpa aquela mulher, pá.  Escovava  os dentes, esfregando também a língua que se tornava  doce e melíflua na boca lusitana. Horas a
fio, papeando. Sua experiência naquele cu de mundo, alimentando curiosidades e
gosto por coisas exóticas. Inveja.  Meu projeto
de vida, andar no mundo, em cada país uma semente, um herdeiro em cada povo,  misturar, fazer o mundo se entender. José
Manoel, o matador de negros n´Angola, (Felizmente não precisava tirar o couro a
fazer sapatos, como faziam os ingleses 
com os aborígenes da Tasmânia),  não me tornava curioso. Tanto negros vi, pensava conhecê-los. Inverdade, inda que se viva mil anos não apreende a  África inteiramente.
Gandra, conversador, brincalhão, um
portuga revolucionário, comunista e agitador. Frequentava conferências,
palestras e encontros de tudo que pretendesse mudar o mundo. Marxistas,
lenistas, trotiskistas, com sua revolução permanente, e maoistas defendendo a
luta armada em todas as frentes, enfim, gente 
de todas as cores e línguas se debatendo em tertúlias  onde o sonho era mais forte do que a
realidade. Era, no entanto, preciso sonhar. Sem sonhos a realidade não muda.
Falastrão e irreverente, vivia, Gandra, às tulhas com os revolucionários de
então. Tivera, um dia, sério embate com Bani Sadre,  anos mais
tarde, primeiro presidente do Irão, pós  derrubada do Shá Reza Pahlevi, por Khomeini, o Aiatolá, por rogo do  Majalis,
o Parlamento. Ironia, Abulhassan, outra de suas alcunhas, deposto, acusado de tentar impor uma política leiga, quando nós o tínhamos como  muito religioso. A Pérsia dos  Aiatolás 
não suportava uma república laica. Onde andarás tu, Dārayava, possuidor
da bondade? Iria encontrar a Milu pá, muito antes da Malu aparecer e dançar em
sua cabeça,  bela rapariga de Funchal,
uma paixão nascente, solitária e dorida. Levaria um par de meses a pensar na
garota muito gira e espirituosa que se insinuava por entre todos, sem se  deixar tocar por ninguém. Pensando nela fez,
no La Coupole, enquanto Picasso, Buñuel, Sartre e outros discutiam seus
projetos, um poema escrito num guardanapo  guardado até hoje, como recordação de
um amor solitário. Este poema  o salvou. Nesta
 noite quando estava sem lugar onde
dormir, sentado numa pequena praça, tentava escrever algo, enquanto esperava o
amigo português (sempre um português na minha vida) que me oferecera dormida.  
Continuação no livro NOITE EM PARIS, em breve nas livrarias.