segunda-feira, 14 de março de 2016













Madame Faure abriu, grande, os olhos. Verdazulados. Faure, tradicional família entre os francos. Há Faure pra tudo, até presidente. Felix Faure, pois não morreu de língua?. Fazia sexo oral no Palácio do Eliseu,  com  Marguerite Steinheil.  Não se sabe que língua o matou, se a dele ou a dela. Também mais tarde, o Cardeal Jean Danielou vai morrer fazendo sexo com uma prostituta. Fica provado: Putaria e corrupção rondam o poder como fazem urubus com gado faminto no nordeste. Nem deixam o boi morrer, começam estripando o mais vulnerável das vitualhas:  o anus, a vagina, os olhos, a língua amolecida na boca do  animal agonizante, estremecendo e contorcendo-se de dor pelas bicadas. Lixeiros do mundo, aves e cães. Lida  pelo melhor pedaço, vence o mais forte.  Também o homem, quando se entrona  ou  busca o poder. Pior, insaciável. O animal quer matar sua fome, mas limpa terra. Ele quer ser jornalista, imaginem o  quanto insólito será escrever daqui a vinte anos sobre nós, adivinha-se personagem. Claude, pragmático, menos filosófico. Gostaria de ser lembrado como um amigo.  Não se pode negar que o fora, como pode ser de estrangeiros um francês. Apelidou-o carinhosamente, Didi, homenagem ao meio-campista, eleito melhor jogar da Copa de 58, o Mister Football, o Folha-Seca.. Prova de amizade. Formal o francês. sem intimidade não apelida ninguém.  Usam o nome de família. Mr. Tel, Mr. Quel. 
Claude, só tu para suportar, com humor,  minha lentidão   no enxugar os pratos,  doirar os metais, no varrer a casa. Jean Deglain, ou era Deglun? (creio mesmo que era Deglun), mais efusivo, mais espontâneo, talvez pela juventude dos dezessete anos, parecia mais amigo, mais cordial, cúmplice, até. A perdição foi a velha Corine. Tão logo anoitecia, preparou  a comida, (Os empregados  comiam, antes dos fregueses chegarem), um prato de sua provence que minhas papilas gustativas não reconheceram de imediato e devem ter enviado  informações falsas ao cérebro,  cumulando por  identificar um sabor não tanto quão agradável, como esperava a velhota. Chega Normando, pergunta pela comida, (ele comia sempre antes de cantar sua Bossa Nova), uma merda, disse. Não há maior ofensa ao francês do que dizer mal de sua comida. Ofendida, no mais íntimo de si, a velha senhora, orgulhosa de sua cozinha, exigiu minha despedida. No dia seguinte. Não soube me defender. Orgulho infantil adjungido à timidez  bloqueando a  defesa. Jogado, adolescente, nos claustro capuchinho,  castraram-lhe os desejos, os impulsos nascentes. Morto o mundo, matado. Vai, aprende agora o que não te fora possível na adolescência, saído do claustro, do claustro saído. É tarde pra a ser criança. Pagarás eternamente tua dívida. Não  parece ter sido assim com outros. A maioria, desinibida até ao exagero, talvez, escondendo seu retraímento. Aqui, angustiante ao extremo. Cá fora, no mundo, como diziam,  hercúleo peso, pros que  pegavam o jegue. Pegar o jegue,  jargão dos frades  e seminaristas, ser posto  fora. Não pegava o jegue quem  pedia pra sair. Eu tinha pegado o jegue, tão logo chegara de férias, em dois anos. Franqueza e falta de malicia.   Aluno exemplar,  piedoso, querido,  obediente à disciplina, fora, como de costume chamado à diretoria. Entrevista com o padre diretor, ouvir  queixas, dar conselhos, orientações. Entrara no seminário por ser pobre,  estudar de graça;  Que a vida de estudo e oração lhe dera vocação de verdade; Que estava sofrendo pressões da família pra sair do seminário; Que queria ser frade e pedia ajuda espiritual. O capucho cofiou a barba, pensativo, o Cristo, lívido e ensanguentado, contorcido na cruz ouviu  o silêncio na sala. Quanto vale ser honesto? Mandado embora. A que serves, honestidade? Quantos  dissabores? Vale a pena?  Assim n´A Feijoada. Não  gostara da gororoba de Madame Corine. O olho da rua.   Ser honesto não é dizer a verdade, é não dizer mentiras. Razão, com Jussiê, cabra curtido no Vale do  Cariri. Imbecil fora, merda é fácil, merde,  ela entendeu. Gororoba, ela nunca iria entender.  A velha Corine substituíra Jean que fora se engajar no exército.  Se ele ainda estivesse lá não teria sido despedido.

Corria à boca pequena, Mr. Kiefer teria sido amante de Madame Faure. Havia, por  isso, uma nesga de ciúme em Claude. Bastava ele vir jantar chez madame, quero dizer na Feijoada. Sentia-se. Madame se desmanchava em gentilezas. Ah!  O sobretudo. Ele mo deu, Mr. Kiefer. Feito por encomenda de  Maurice Chevalier. Vestira duas ou três vezes, devolvendo-o por ter-se  enjoado dele. Rico enjoa fácil. Pobre, enjoado ou não tem que aguentar o rojão. Um par-dessus azul-marinho, forro de fina seda, no Maurice, alto e elegante, caía  bem nos seus 76 anos. Eu, um caniço, miúdo, sumia dentro dele. O peso curvava-me o tronco. Quem sabe a lombalgia de agora,  não seja sequela da sobreveste?  Gostava dela, orgulho de ter pertencido a Chevalier. Mr. Kiefer orgulhava-se de seu corte. Não poucos elogiavam sua linha. Bem talhado, iria apenas  adaptá-lo a meu corpo.  Lástima, nunca o fizera. Sumido nesta veste, correr Paris, buscar trabalho, comida. Hora maldita, esta briga com madame. Errei? Orgulho. Perdão não peço. Comida, orgulho dos franceses. Eu disse merda pra comida, fui despedido. Orgulho e timidez a vós devo o fracasso. O erro existe pra nos ensinar. Quem não o reconhece, nada aprende, nem  vai a lugar nenhum.


Continuação no livro NOITE EM PARIS, breve nas livrarias.

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