Ouviam-se
apenas os estalidos das folhas crestadas pelo sol. Caiam retorcidas sobre o
chão quente e endurecido. Nem cigarras, nem pássaros, nem farfalhar de folhas.
Não havia. Tudo era plano, quieto e cortado por numerosos caminhos que se
cruzavam e não levavam a lugar algum.
Caminhava,
por caminhar. Lá e cá, mandacarus abriam seus braços espinhosos. E deitavam sua
magra sombra sobre a areia esturricada. Gravatás, xique-xiques e mancambiras
ornavam a terra quente e pedregosa. Caminhava. E vi seu corpo moreno estendido
ao longo de uma vereda.
Sob
o céu azul, inúmeros pontos negros ensombravam o chão, outros pousavam
simplesmente sobre galhos de mato seco. Angicos, sumarentas quixabeiras e
sempre verdes juazeiros. A boca entreaberta deixava adivinhar pedaços de carne
sujos de sangue coagulado. Outros, arrastavam-se pela areia carregando a carne
que era sua. Alguns dormiam a sesta, após saciarem-se do banquete que lhe fora
oferecido.
Seu
corpo moreno. Seus olhos, antes feiticeiros, travessos, eram dois buracos
negros que levavam não se sabe aonde. Seus seios. Pequenos, sensíveis - quanto
eu os afagara! – agora, assemelhavam-se a dois pequenos formigueiros povoados
por larvas e vermes hediondos.
Seus
lábios. Antes doces e suaves, tinham o gosto de sangue putrefacto. O corpo todo, antes, repleto de graciosas
curvas sacudidas por vibrações eletrizantes, deixava antever, aqui e ali, por
entre as chagas supuradas, toda sua conformação óssea.
O
monte de Vênus, onde se escondiam supremas delicias, era uma cratera imunda
visitada por moscas, mosquitos e aves de rapina. Estas, apoderavam-se, de
quando em quando, de seu corpo, de sua carne, indo ao depois brigar ao longe pelo maior bocado.
Eu
me acerquei cambaleante de minha amada. Exalava um fétido ar que entrava em
mim, provocando-me náuseas e vômitos,
como se tivesse bebido todas as adegas
do mundo.
Fiz-me
forte e me acerquei mais ainda de seu corpo. E minhas pernas dobraram-se. Meus
joelhos sangraram o solo que o sol queimava. Com o estrépito de meu corpo sobre
o chão, afugentaram-se algumas aves que insistiam e aproveitavam-se dos últimos
bocados de minha amada. Planaram preguiçosamente, pousando aos poucos em mandacarus de braços abertos.
Meus
olhos regaram o esturricado chão tropical. Meus braços abriram-se e minha
boca. Triste foi minha voz não encontrar eco. Ela sabia que eu amava sua voz.
Mais triste ainda foi não ver o seu sorriso, nem ouvir os seus gemidos. Os mais
belos.
E
ali. – Eu – à vista de seus últimos e mais fiéis amigos, realizei o meu derradeiro e interminável ato
de amor. E abraçado aos seus restos, fui-me apoderando de uma sonolência
tranqüila e galopante. E fui dormindo. Fui dormindo. Dormindo. E dormi. Meu
ultimo, mais sereno e infinito sono.
Caminheiro
que viajas a lugar nenhum,
Quando
passares, por aqui,
Apanha
um lenho qualquer e nele inscreve:
Aqui
jaz um homem que amou
E
sua amada.
(Publicado com
pseudônimo El Carmo na Coletânea LITANIA – O Grito da Esperança - Contemp
Editora Ltda, 1989, Salvador-Ba).
Na Coletânea de
Contos – Ed. Scortecci, 2009, São
Paulo-SP. Pseudônimo El Carmo.
In, http://deus-carmo-literatura.blogspot.com.br
Continuação no livro NOITE EM PARIS, breve nas livrarias.
Continuação no livro NOITE EM PARIS, breve nas livrarias.
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