quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

NÃO MORO COM ELE










                     



                                       


                           Por quê tu me perguntas isto? Que diferença faz? Estrambótico, do vestir ao sorrir. Rei da cocada preta. Não, não moro com ele. Se joga. Não o quero. Nem mesmo pra passear meu cachorrinho. Me encanta, o poder, não me assusta. Quem o inferno visita, com os demônios se acostuma. A amígdala cerebral se acostuma com os atos desonestos, confirma o ditado. O mal pela cabeça, antes que ele cresça, afaste-se. Aprendi a me desvencilhar. Viver é uma arte. Emeios, zapes, bilhetinhos de coraçãozinhos. No lixo, jogo. Mesmo sem concordar com alguma coisa, faço meu trabalho. Cérebro pensante, coração amante. Desentendida. Amante, o ágape cristão. Ri, te como, um dia. Se a loba descobre. O poder corrompe. Afasta-te do inferno para não te acostumares com o demo. A glória, o general conquista, o soldado, sua. Não dividir. Não me encosto, estou sob seu bastão. Um dia, meu amigo, compreenderás esta engrenagem, quando, feito teu papel, fores defenestrado. Terrível é a vida, mas bela, aproveita-a, que o ódio faz mais mal a quem o tem, do que a quem odeias. E tu, por quê me perguntas? Imaginas tu que obediência é sujeição? Imaginas tu uma paixão assim? Todos nós temos nosso dia de descarte, tão logo termine nosso papel. É o jogo do poder. Marionetes somos, acreditando-nos titereiros, manipuladores, neste teatro de guinhol. Quando nasci, já Euclides da Cunha havia predito: o sertanejo é antes de tudo um forte. Acostumada. Quem comeu paçoca de rapadura, pegou leite na noite, lavou defuntos na morgue da Ile de France, sacudiu de volta, lacrimejantes bombas no longe de 68 não pode ter medo mais de nada, e, tendo, porque a idade nos tira a coragem e nos dá juízo. Fortalecida estou para enfrentar a vida e os preconceitos. Fulos ficam. Bahia não é Brasil. Que a Bahia seja  Brasil para pisarem. Ao me pisar, saem pisados. Não quero ódio, mas resistir ao ódio, ao preconceito, à discriminação. Aqui, sou rainha, imperatriz. Deixem-me ouvir a milonga de Cardoso. Palavras. Me levam ao nordeste. Longe, saudade da toada, dos encantos da boiada, no aboio da vaqueirama. Mas não sou manada. Entrebatem-se, enredam-se, transam-se e alteiam-se riscando vivamente o espaço, e inclinam-se embaralham-se milhares de chifres. Vibra uma trepidação no solo; e a boiada "estoura"... E lá se vão; não há mais contê-los ou alcançá-los.
                            E agora José? Sabe nada, inocente!
                       Éramos. Quando dormíamos de valete, naquele oitavo andar do dezesseis, rua d`Assas, assomando, assáz frequentemente, a vontade de virarmos, cabeça com cabeça. Vontade, só. Tinhas tu, Horus, medo, de quê? Aqui, hoje, morro de vontade. Saudades de pernas roçando, do cheirinho de corpos esquentados embaixo de cobertas mal lavadas, cheirando a nós dois. Não, não tenhas medo. Corre as vistas no passado. Vês? Todos os sorrisos foram teus. Tu te lembras? Escobar me confiou a ti, que não eras seu amigo, entre tantos amigos tinha, só ali no Quartier Latin. Como ficaram com inveja de ti. Dormíamos naquela cama estreita. Cedo levantavas para fazer a menage chez Madame Zurflux. Eu ficava te esperando para ir comer na Alliance Française. Tu te lembras? Tu não gostavas muito de carne de cavalo. Eu adorava. Tu me fotografavas com tua Yashica Mat. quantas fotos ainda tenho! Me querias como atriz. Um filme, nunca saído do papel ou da tua cabeça. O filme? Noite em Paris. Plínio Alberto, sabe? Goza com nossa cara. Sem começo nem fim porque a noite em Paris nunca amanhecia. Viu a gozação, nos dias de congresso? Que saco, quando mostro os ensaios. Eu nem chut! Mostro a todo mundo, só pra provocar, de quem eu gosto, você sabe. Até Escobar, hoje, amigo no feice, tem ciúmes. Arrependeu-se de te ter deixado comigo, quando voltou à Espanha de Franco.                                
                                  

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

TEMER JAMAIS













                                     


                                   


                                               Não, Horus, não é hora de ter medo. Aloisio não é leal a seus amigos, eles não te farão mal. Comerás o pão que o mafarrico amassou, cairás da tua escada, mas toma como lição, que lição a queda é, e com ela aprenderás que a ambição tem limites, mesmo que sejas Deus. Aqui, como em teu reino, finito e relativo é o poder. Só a mudança é permanente, não é assim, Heráclito? Assim espera Gandra de seu Portugal amado e a Milu dizendo atrás: Neste dia voltarei pra lá, quando cair Salazar. E digo: só deixo meu Cariri no último pau-de-arara. Aqui, passar uma chuva. A vida lá é ruim, quando não chove no chão, mas se chover dá de tudo, fartura tem de montão.  Temer? não temo não, voltar? quero voltar pro meu sertão. Agora, vestir uma camisa listrada e sair por aí, um canivete pro fumo e um pandeiro na mão, faço minha batucada, faço muita confusão, pois quem tem aquilo tem medo, pressão, não aguenta não. Meurimão, deixa de lera, sai daí, deste lugar, se tu sai com tuas pernas, inda podes trabaiar, se pelos outros enxotado, como é que tu vai ficá? Conselho sábio, o do povo, se principia a pensar. Eu tenho medo, quem não tem? Enraivecidos, quem controla? Morrem mil, mil e um nascem. Vida, viver é como água em pedra. Fura. 




Continuação no livro NOITE EM PARIS, breve nas livrarias.