terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

                                                   












                                                     
                                                         
Contozinho mais chulé. Ainda assim, vai ser mais lido que tuas maluquices. Tu vais ver. O ACF me fala sempre. Não adianta escrever assim. Ninguém vai ler, eu não leio, imagine os outros. Foi incapaz de ler uma página do Finnegans Wake. Também, pudera, já começa com um tal de riverrun, rolarriunna que ninguém sabe o que é. Rolembergue numa noite em conversas (Rua D´Assas, 16,  Paris, quando perdi o emprego de lava-privadas da Messageries Maritimes.(Duro levantar-se às cinco, quase sem dormir), se encantou com o enredo de romance, nunca escrito, de seu primeiro amor. Um amor não correspondido. Voltando à real dissera da vontade de se vingar dela, ele ficara muito chateado. Que não estragasse tão linda história. Geraldo, um cearense pai-d´égua, também  metido a escritor, impressionara-se com um conto, tampouco escrito, que se pretendia filme.  Foi-lhe contado na pensão de D. Alice, esquina da Mendes Junior com a Praça Rudge, Alto do Pari. O Cristo Assassino. Aconteceu com Lauria, aluno dos Carmelitas. Um crucifixo de ouro prometido ao melhor aluno, dado ao menos merecido. Procissão, do Carmo a Santo Antônio Além do Carmo. Me revoltei, tomei do usurpador um crucifixo, grande,  pesado, e atirei em sua cabeça, prostrando-o no chão. Inda vejo sua cabeça ensanguentada, os olhos esbugalhados como a sair das órbitas. Boca semi-aberta, expelindo filetes de sangue. Esqueço partes e vou à frente, relembro e volto atrás.  Difícil para mim, principio,  meio e fim. Nada tem principio, nada tem fim, algo sempre existe antes do principio e depois do fim. Até admiro,  esta capacidade, esta loquacidade fluente que vai levando o leitor do muito simples e banal até o paroxismo e o gozo com um final feliz. Bernadim Ribeiro não tinha tanta certeza desta fluência da vida quando disse que o livro haveria de ser escrito  como é a vida porque, das tristezas não se pode contar nada ordenadamente. Porque desordenadamente acontecem elas. Não por acaso muitos começam uma história por seu fim, como se estivesse desenrolando um novelo, cujo fim é o principio de tudo. Outros ficam dando  pulos para frente e para trás, alguns contam histórias em paralelo como se nunca fossem se encontrar. Talvez o cinema, com sua facilidade de cortar imagens, sobrepor-se uma a outra, fundir-se com uma ou mais de uma imagem tenha influenciado esta nova maneira de contar  estórias. Olhemos bem e veremos. O homem sempre foi assim. Incapaz de racionalizar totalmente suas ideias. As vidas se repetem? Prometeu, Osiris, Buda e Jesus tem a mesma história, em suas três fases,  partida, iniciação e retorno? Mas nem todos a contam da mesma forma. Não é atoa que existem gramáticos tentando normatizar a fala, dirigindo-a para se tornarem compreensíveis. Quem seria capaz de continuar um história depois de abruptamente interrompido? Mesmo uma dor de barriga pode mudar o fio de uma história. Não dizem que, ao receber noticias de Portugal  D. Pedro I estava cagando sua dor de barriga às margens plácidas do Ipiranga? Nem mesmo os mais íntimos de Deus, os mais santos se livram de cortes de raciocínio. Madre Teresa, dizem, vacinava o bumbum de crianças em Calcutá, quando foi chamada ao telefone. Ao voltar se confundiu, não sabia onde parou e perguntou: Em qual cu tá? Sejamos francos, um contozinho muito do reles, este. Mas o  pior é  que todo mundo agora quer publicar suas porcarias. Se eu facilitar, até D. Lela, perdida na cozinha do Ginásio Gilberto Viana, lá em  Itambé, vai querer publicar receitas de seus quitutes.  Quero, comer, D. Lela, Quero comer D. Lela, gritava a turma no refeitório para desespero dos padres. Polito, amado professor de matemática; Antonio Rocha de pernas tortas, poemas parnasianos enaltecendo tardes primaveris e vôos de  pombas que não se viam, nestes tristes trópicos, Vicentinho e Vicentão brigando com os maiores do internato, no jogo da bola. Vejam só, já estão  me acusando de já estar fugindo da regra máxima do romance. A unidade. Hydra e outros escritos não teriam nada a ver como os demais.
Ora, unidade, lógica, como se a vida tivesse alguma. Só na cabeça das pessoas, não na vida. Vida, pedaço de surpresas a ser superada  a cada instante. Não dá tempo estabelecer caminhos, impor regras. Eles se nos impõem. O fato é que nem sei mesmo se algo escrito foi sonho ou realidade. Se aconteceu na minha mente de autor ou na dos personagens.  Se o personagem é meu próprio alter ego, ou representa alguém de quem aprendi a história. Quem me disse que sou obrigado a esclarecer tudo isto? Quem me assegura que o conseguiria? Deixemos correr a pena conforme leva a vida. Deixa a vida me levar, vida leva eu. E assim vai outro aí. Talvez seja também um dos mais lidos.

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

O AVISO

                                               














                                                          
O senhor Gregório Teixeira tinha o hábito de mandar sua esposa dormir em casa do sogro, pois este era velho e vivia só.
- Vai, Venância, dormir com teu velho. Coitado, tão só naquele casarão!
       E lá se ia D. Venância passar a noite com seu velho pai. Bem que gostaria de trazê-lo para morar consigo, mas o ancião insistia dizendo: - Só saio daqui para o campo santo. Aqui eu nasci,  aqui vou morrer. Ela não o entendia aquele agarradio a tão bisonho casarão. Seu Gregório aproveitava estas noites para dar umas fugidas. Não tinham filhos, pois dois que tiveram morreram. O Governo não cuida de nossas crianças. Eram três horas da madrugada deste setembro de setenta e quatro. O calor vinha do inferno. E enquanto não tinha dinheiro para adquirir um bom ventilador, ia dormindo com a janela aberta para amenizar seu sofrimento. Entrava um ar fresco, e sua casa sobre o rés-do-chão, montada numa das colinas baianas respirava melhor.
       A cama era de uma madeira barata, comprada à prestações na “Casa do Bem Vender”. Dois meses atrasados  e a ameaça do gerente de vir buscar a qualquer momento o móvel que fazia seu Gregório e sua mulher sonharem sonhos de amor e de esperança. Um lençol encardido escondia o colchão de molas que  lhes fizera o bico de papagaio. Tinham de comprar logo um colchão ortopédico. Era esperar a gratificação natalina. Braços abertos sobre o leito, cuecas fedendo a mijo e bosta, seu Gregório roncava a tranquilidade. Subitamente sentiu uma onda de luz sobre os olhos que só abriram, entre o sonho e a realidade. Viu um indivíduo de estatura mediana. As mãos pretas seguravam um revolver. No rosto, uma toalha. Na cabeça, um gorro. Na cintura, uma corda enrolada.
       Levanta, puto - Ouviu e atendeu.
       - Para o sanitário - Tentou resistir, mas um empurrão mostrou-lhe a força, a sentina e a empusa. Estava sendo trancado. Sentiu. Não teve coragem de gritar. Será que ouviriam? - Ele não ira me matar?
       Uma dor de barriga invadiu seu corpo. Sentou-se no vaso. Espremeu-se. Não saia nada. Se demorou muito não sabe. Se era um homem só, tampouco. Lenta e calmo destrancaram-lhe a porta da latrina. Saiu-lhe um jato de fezes-água.
       - Se quiser morrer, saia daí agora, viu  seu puto?
       Fez-se eternidade. Lembrou-se de que não havia papel higiênico. Não quis limpar-se com a cueca e muito menos com o dedo. Tinha que abrir a porta. Procurar um jornal. Até sorriu. Para que servem os jornais?
    Aventurou-se a abrir a porta Viu não haver mais ninguém. Antes de achar o jornal, achou o lugar vazio do aparelho de TV. O rádio desaparecera. No guarda-roupa camisas e calças se foram. Roubaram-lhe até um mealheiro contendo cem cruzeiros talvez.
    Na mesinha de cabeceira, um bilhete com os garranchos.
  “Ver se fexa sua jinela, viu, seu puto”