Mostrando postagens com marcador Heráclito. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Heráclito. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 11 de maio de 2017

HORDÉOLO


Filomena Moretti, Asturias - Isaac Albeniz


Acorda sonordelento o menino, passa cuspe na remela. Abrir os olhos. Inda a voz rouquenha do guru sertanejo e o responso dos fieis, como vozes vindas do além, ressoam  em sua mente.
                        Maria valei-me
                        Aos vossos devotos
                        Vinde socorrei
                        Vosso amor se empenha
                        Ó Virgem da Penha
                        Penha onde mora
                        Na fonte vital.
E o responso em coro:
                         Na fonte vital
                         Na fonte vital.

Todo menino é rei,  faz castelos de cristal,  encostado ao muro do  quintal. Pensa. Meninpedra, filosofal. Remelento, dedo na mão, esfrega. Tocar terçol. Quenturinha boa pra curar.  Olha o monturo chamusquento. Nojenta alfurja, onde se joga as imundícies. Restos crus, cozidos, palhas de grãos, cereais, panos, molambos, penicos de mijo e bosta, pasto de cães, porcos e  jumentos, galinhas e urubus. Dava um fogo quase morto. Fumo subindo, redemoinhos,  odores que aos animais não parecem incomodar. Queima a toda noite, um gosto especial aos restos  sapecados, como carne de fumeiro ou moqueada. No fim do mundo tudo vai pegar fogo, nojento,  de fazer medo.  Devia ser de água como se havia acabado antes.  Não, água também é muito agoniado. A morte vem boiando, zombando da gente. De braços abertos, estatelada. Pra lá e pra cá. Como bosta n´água. De fogo é melhor. Eterno, transforma, purifica  o homem,  um dia tudo será fogo, disse o obscuro Heráclito.O fogo do inferno, anunciado por Mr. Fanali, sous les toits de Paris. Queima tudo, até os ossos. Adeus viola. Não vem fazendo careta. Enfurecida. De uma vez. Mesmo que se corra. Fuçama de noites mal dormidas, canto aos mortos,boates de cigarros fumegantes entre lábios femininos. Aqui, nem sempre é uma festa.
Filomena, não a Moretti da guitarra em Asturias de Albeniz,  a do padeiro do violão,  também morena, gamela na cabeça, dar comida aos porcos, passa. Toca a viola:
- Pensando no fim do mundo? Tu já tem  juízo pra pensar?
 Tocou na sua matadura. Pôs a viola no saco. Ouvirá Ana Vidovic na Catedral do paraguaio Agustin, o Mangoré,e se lembrará, não sem saudade, de não caber dentro de si, não sem saudosismo,  não tanto salutar, mas com um pingo de vida porque como disse alguém, relembrar é viver duas vezes, lembrará sim, de Lilinha, irmã sua, no  violão, nas noites de Capela. Contraponto aos cagas-sebos no arvoredo, os trinados de sangue, cabeça de cardeal. Canarim, assanha  sanhaço. Xéxeus xiando  sacudidos nos seus ninhos, como bolsas, de gravetos, pelo vento. Polifonia do sertão, milho pilando no pilão, manteiga a chacoalhar na cabaça, Mancambira, a gungunar, remedando caminhão, o  bate-bate na bigorna Zé Cadeira, Zé Ferreira e Tunin Gomes. Bate, bate coração, bate o ferro na bigorna, bate a seca no sertão. Bate o vento balançando a cerração. Bate o vento balançado  coração.Quando tu balança, toda a  terra dança.
  

Quando tu balança
Dá um nó na minha pança
Quando tu balança
Dá um nó na minha pança

Madrugada entrando
E o fole gemendo
Poeira subindo
E o suor descendo
Quem não tava "bêbo"
Já tava querendo
E eu cambaleando
Ia te dizendo
Quando tu balança
Dá um nó na minha pança
Quando tu balança
Dá um nó na minha pança

Tava requebrando
E eu naquele jogo
Eu tava me esquentando
Mesmo sem ter fogo
Só batia palmas
De pernas puxada
Como quem atira
Em onça pintada
Quando tu balança
Dá um nó na minha pança
Quando tu balança
Dá um nó na minha pança 


                      Mas não é mesmo, Gonzaga? Ô macho, manda esta muié parar  qui já tou todo molhado, senão, para o fole Seu Gonzaga, para este fole marvado.



Continuação no livro Noite em Paris, breve nas livrarias.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

TEMER JAMAIS













                                     


                                   


                                               Não, Horus, não é hora de ter medo. Aloisio não é leal a seus amigos, eles não te farão mal. Comerás o pão que o mafarrico amassou, cairás da tua escada, mas toma como lição, que lição a queda é, e com ela aprenderás que a ambição tem limites, mesmo que sejas Deus. Aqui, como em teu reino, finito e relativo é o poder. Só a mudança é permanente, não é assim, Heráclito? Assim espera Gandra de seu Portugal amado e a Milu dizendo atrás: Neste dia voltarei pra lá, quando cair Salazar. E digo: só deixo meu Cariri no último pau-de-arara. Aqui, passar uma chuva. A vida lá é ruim, quando não chove no chão, mas se chover dá de tudo, fartura tem de montão.  Temer? não temo não, voltar? quero voltar pro meu sertão. Agora, vestir uma camisa listrada e sair por aí, um canivete pro fumo e um pandeiro na mão, faço minha batucada, faço muita confusão, pois quem tem aquilo tem medo, pressão, não aguenta não. Meurimão, deixa de lera, sai daí, deste lugar, se tu sai com tuas pernas, inda podes trabaiar, se pelos outros enxotado, como é que tu vai ficá? Conselho sábio, o do povo, se principia a pensar. Eu tenho medo, quem não tem? Enraivecidos, quem controla? Morrem mil, mil e um nascem. Vida, viver é como água em pedra. Fura. 




Continuação no livro NOITE EM PARIS, breve nas livrarias.