segunda-feira, 14 de agosto de 2017







                                                São mais ou menos 15 horas. Estou numa destas salas de espera de uma clínica médica. Como sempre, todos ou quase todos pregados na televisão. Uma epidemia. Os programas chatos da tarde são vistos e revistos com a paciência de bois que vão para o matadouro. Um ou outro abre um jornal fastidiosamente, ou lê um destes  romances de 3ª categoria, ou mesmo um livro espírita, ou os chamados de auto-ajuda. Espírita, acho que é o daquele fulaninho ali. Lê, Incrível como crêem ser possível atingir o nirvana com a simples leitura de um livro. E o pior é que teorizam sobre o tema. E pensam também na imortalidade, como se fosse possível ser Deus sem mais nem menos.
18.08.2003 – 16:10 - Aquela magricela branquinha, ou amarelinha como gostam de chamar o negro ao branco, aquela branquinha é tão fina  que se tem medo de, ao tocá-la, desmanchar-se, medo que se transforma em prazer, se ao invés de quebrar-se, partir-se em duas divinas criaturas.
O ambiente de um hospital parece frívolo, e talvez o seja, a despeito de as pessoas estarem na vizinhança da morte. Todos falam ao mesmo tempo e noventa por cento do assunto, a saúde é o tema. As velhas costumam misturar o terço com antibióticos, anti-inflamatórios, antidepressivos, anti-tudo. O médico que se acredita o próprio Deus trata o populacho, apenas como um instrumento por onde o onipotente opera suas graças. Os santos também operam milagres, embora, eles mesmos, não tenham curado os males que os levaram ao campo santo ou à imaginada glória do senhor. A televisão. continua soltando suas notas que atravessam a sala semi-adormecida. A magrelinha, ao ouvir o chamado do ortopedista,  passa por mim como um caniço açoitado pelo vento. É o mesmo com  quem vou me consultar. Dizer como está minha coluna, após fazer uma série de perguntas imbecis, porque só depois de fazer todos os exames,  vai  me dar um remédio, não obstante, eu reclame  de muitas dores.
Enquanto escrevo estas linhas observo um velho com quem está a magrelinha, (Saberei chamar-se Angela, após o chamado do médico), me perscruta. Olhos compridos e interrogadores. Que estará ele escrevendo?  Viu-me olhar para ela e sua mãe,  já entraram  no consultório. Imagina se soubesse estar  sua filha, ou lá o que seja, sendo personagem deste escrito!.  E ele mesmo? Qual seria sua reação? Aqui o escritor supera ao pintor ou desenhista, pois este é obrigado a traçar em longas  linhas ou pinceladas  a figura que deseja vir a lume, denunciando, de logo o seu intento. Como filigranas, os dedos de Ângela atravessa, os longos  cabelos finos e negros, negros, como diria José de Alencar,  qual as asas da graúna. Os pés tão finos quase transparentes despertam os mais recônditos desejos, (diriam, levantam defunto). Que pensaria o ancião se soubesse que nestas linhas, neste pedaço de papel amassado  está sua filha sendo despida, antes mesmo que o médico a chamasse e para lá se dirigisse escoltada com muito carinho por sua mãe?  Tu me lembras agora, outra também magra, branca e gostosa. Conheci-a já lá vão alguns anos. Onde fostes tu, coragem? Covarde Horus, não a tiveras, deixaste-a cair nos braços doutro. Não,  agora me concentrar em ti. Ouvir tua voz,  tão diáfana quanto tua pele, deve ser. Cristalina, suave, sensual. Não penses que me vou apaixonar, pois, anos curtidos na solidão não fabricam uma paixão


                                                               
                                                     
                                               

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