segunda-feira, 12 de junho de 2017

AMIGO DOS BICHOS

                                             



                                           
     Não era solitário por querer, mas por timidez. Amava a tudo e a todos, um amor à distância, sem arroubos de romantismo, nem exibicionismo, sem alarde. Prestativo, a todos dava uma palavra de alegria ou conforto, quando solicitado; nem era egoísta, e, até, deixava de fazer por si para fazer pelos outros, mas uma tristeza imensa lhe advinha quando se sentia traído ou explorado por alguém. Era também vítima dos mais absurdos desentendimentos. Colégio Vieira. Internato. Empresta dinheiro a um colega. Fê-lo com prazer. Era pouco, mas entregou-o. Davis, tinha-o como um dos melhores amigos. Poderia precisar também um dia. E Davis, sua família, tinha dinheiro. Uma tarde, depois do recreio, subia a escada para o dormitório dos médios, onde iria tomar banho e vestir-se para a banca da quatro,  ouviu, no alto-falante de frente ao colégio, ao lado da Igreja Batista do Garcia, Nat King Cole. Cantava El Bodeguero do cubano Richard Egües.

      el bodeguero bailando va,
      en la bodega se baila asi,
      entre frijoles papa hay aqui,
     el nuevo ritmo del cha cha cha,
     toma chocolate paga lo que debes,
    toma chocolate paga lo que debes,
  Corria, porque, quando se é jovem, tudo é na carreira, escada acima, cantarolando a canção,  alegre e despreocupado, quando encontra. já no dormitório o amigo Davis, e canta em tom de brincadeira: Toma chocolate, paga lo que debe, apressou-se a tomar seu banho. Não demorou uma semana, Davis chega com o dinheiro para lhe pagar. Tão aturdido ficou,  nem tentou explicar-se, envergonhado. Não lhe estava cobrando. Hoje ainda não se redimiu do mal entendido; Ah,  quase bota a perder uma amizade. Assim era. esperava dos outros mais do que  lhe podiam dar. Compenetrado, dava aos sábados aulas de religião nas escolas do Garcia e Federação. Nem imaginava como falava em sala de aula. Meninos e meninas da mesma idade ou pouco menos que a sua. Parecia iluminado. Furtivos olhares, para a moreninha de olhos claros. Marly era ela? Apoquentado, nem sabia o nome de seus alunos. O mundo hoje o vê criando animais abandonados na rua. Cachorros, gatos e até periquito.  Se enreda cada dia mais nesta atividade. Deixa de frequentar os amigos.  Cuida de suas feridas e doenças. Leva-os ao veterinário. Castra o machos, esteriliza as fêmeas. Não venham a se reproduzir e sofrer mais do que já sofrem  na mãos do  homem, egoísta e malvado. Sonha. Ganhar uma fortuna na Mega-Sena, comprar um sítio, criar bichos. Fede a cachorro,alguns animais, dormem com ele.  Transforma a casa adaptando-a, no seu pensar, aos animais. Sanitários, móveis readaptados.  Não há lugar para o humano se sentar. Cortam-se todas as árvores do jardim. Que os gatos não as façam de trampolim para  pular o muro. Gatos gostam de altura. São feitas prateleiras, lá eles dormem. Cachorros nos sofás e nas camas. Uma enormidade de dinheiro com ração e remédios. A aposentadoria, sim, era também aposentado, uma história de loucura que vale um livro, ia-se minguando, quase não sobra para si. Já aparece na mídia de vez quando, em entrevistas e todos o tem em boa conta e respeito. Sempre aparece um para lhe trazer mais bichos. Dificilmente os recusa e faz questão de mostrar seu plantel a todos. Chama-os pelo nome, quase todos nomes de gente, acaricia-os e apresenta-nos ao visitante. Uma menina linda, parecia Chapeuzinho Vermelho, sempre passava em frente à sua casa e ficava curiosa em conhecer o interior da quela casa e aquele misterioso  homem. Dia destes, ele estava na porta com um gato nas mãos. Ela o olha com olhar de simpatia, ele lhe devolve o olhar e pergunta se não quer acariciar o bichano, indecisa, se aproximou e passou a mão sobre a cabeça do gatinho. Ele a convida a entrar, conhecer a casa e seus habitantes. Ela, ainda indecisa, entra na casa e ele, todo  solícito, vai mostrando-lhe e apresentando-a a cada um dos animais. Este, atropelado e trazido para cura-se e foi ficando. veja, uma beleza, ninguém mais o reconhece, de sequela, apenas um pequeno aleijão,  em uma das patas. Aquela é Lambiscóia, sofre de epilepsia. Tenho de medicá-la todas as noites para evitar as crises. Onde estiver, tenho de estar em casa até as 19 horas.  Dar seu remedinho. Completamente absorto na história de cada bicho,  não percebeu, de imediato,  o quanto a cativava, com tantas  palavras de carinho. Deve de ser uma doçura de pessoa. Esqueceu a pressa  para a escola. Sim estudo ballet na Escola de Dança da Universidade Federal da Bahia, minha mãe trabalha na Escola de Teatro da Araujo Pinho, sabe onde é? Aproximou-se dela, tomando-a pela mão, chamou-a para mostrar-lhe, o segundo piso, onde ficava o príncipe de seus animais. O mais bonito, o mais querido. Magnetizada por aquela voz, aquele amor. Levou-a ao quarto. Lá estava o príncipe, confortavelmente deitado na cama do casal, sim ele era casado. Alisou-lhe o pelo e pediu a ela que fizesse o mesmo. O Príncipe se arrepiava todo, deitando de patas para cima, excitando-se ao toque  carinhoso das mãos. Ela começou a sentir uma sensação estranha e de repente sua mão tocou a dele. Ambos se olharam e uma faísca saiu de seus  olhos, deles. Se atracaram, e rolaram na cama à vista do príncipe que também se excitara e roçava sobre eles, com ganidos de prazer. Ele tentava tirar príncipe de cima deles, mas o cão mais se excitava, subindo sobre os dois. Naquele embolar de corpos ela toca o pênis do príncipe e enquanto o homem metia-lhe o dele, ela masturbava o príncipe. Não se sabe quantos minutos duraram  aquela cena, eu não estava lá, nem ela, nem ele me contou. No momento do êxtase foi um grito só. Homem, mulher e cão. Cansados, adormeceram sob a vigilância do príncipe, agora com o sentimento de amante dos dois. Não durou muito o sono dele. Acordou e a viu adormecida, com o braço sobre o príncipe que cochilava apenas. Teve uma ideia. Macabra. Ficou indeciso por muito tempo. Voltou às cavernas quando o homem comia o próprio homem para saciar sua fome. Os tupinambás comiam seus prisioneiros para adquirir sua força, matar a fome e economizar a caça. Pensou enforcar a moça. Não, ela poderia acordar e gritar. Depois a bichinha ia sofrer muito com a asfixia. Depois teria uma "morte suja". Haveria um descontrole dos esfincteres e ela se cagaria e se mijaria toda, denunciando o ato. Foi à cozinha. Pegou um cutelo. Tampouco lhe daria morte instantânea. Se acordasse seria um deus no acuda, depois não queria que ela sofresse. Em boa hora, lembrou-se do pilão de Horus. De seus bisavós, dissera, Didi. Trazido de Mairi, estava ali guardado, por enquanto.  Feito de massaranduba, com mãos de imirá-itá, madeira pesada e resistente. Os índios a usavam para fabricar seus tacapes.  Bila, ele era conhecido assim, pegou u´a mão-de-pilão e  caminhou para o quarto. Sua amada inda dormia o sono dos justos, Príncipe brincava com sua calcinha preta. Quando ele viu seu senhor com a mão-de-pilão,largou a calcinha e  murchou as orelhas. Teria o perro sonhado o que iria fazer seu patrão? A quem ele pretendia matar a si para dar de comer a ela? Teve medo, mas se sentia feliz em servir de repasto para quem lhe proporcionou uns momentos de prazer. Também Baleia, quase  serviu de pasto para Sinhá Vitória, Fabiano e os meninos se não fosse o infeliz do louro. Bila não queria que Príncipe visse, nem mesmo adivinhasse o que iria fazer. Puxou-o delicadamente da cama, com cuidado para que ela não acordasse, pô-lo fora do quarto e fechou-o. Príncipe reclamou com leves ganidos, mas se conformou ou fez como se estivesse conformado. Bila mirou com ternura aquele corpo sobre seu leito, nua, os seios, como o corpo,  ligeiramente pendidos para esquerda. Rescendia um cheiro forte do amor. O vento sacudia fios de seus cabelos. Tão bela, não acredito que tenha algum pintor pintado quadro igual. Um tênue sorriso se viu de seus lábios. Talvez estivesse sonhando com lindas cenas de amor, que o jovem não ganhou ainda o tempo de sonhar cenas de sangue e desamor. Bila suspendeu o tacape, mirou sua cabeça, indeciso, mas depois decidido e desceu sobre ela o pau ferro. Não houve tempo para choro, nem grito. Como estivesse de lado o olho direito saltou da órbita e bateu no guarda-roupa. Para se certificar da morte, deu-lhe de novo com o tacape, o da misericórdia. O sangue jorrou mais abundantemente. Os Cachorros e gatos que não podem sentir cheiro de sangue começaram a ganir e a miar. Ele pegou da faca e começou a descarná-la. Cortou primeiro a cabeça, depois os braços, as pernas. Abriu a porta e começou a distribuir sua carne aos animais. Alimentado os animais, pegou a sobra, enrolou em pedaços com papel alumínio e foi colocar no  freezer. Depois lavou o resto de sangue que os animais não conseguiram lamber usando detergentes. Enrolou também os ossos  em papel alumínio para que não emitissem cheiro e os enterrou no quintal da casa. Terminado  todo o serviço, tomou banho. Ligou a tevê, pegou uma cerveja na geladeira, sentou-se e saboreou-a. Uma nesga de  alegria estava surgindo. Pegou o celular e mandou um zape para Didi. Resolvido o problema da alimentação dos bichos.
Mas porque falas disto? Não tens tu também a cabeça de um falcão? Não és tu a pomba que os cristãos chamam Espirito Santo. Por que condenas teu amigo que dá de comer aos bichos de carne humana? Por acaso não dilaceras tu os corações dos humanos que não te seguem?   





2 comentários:

  1. Muito bem. Retrato psicológico dos coxinhas que desprezam o ser humano e amam os bichos.

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    1. Obrigado. Volte sempre é diga on ué não gostou. Isto
      Me incentiva a gente escrever melhor.

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