quarta-feira, 20 de abril de 2016

E TU SILENCIOSA, APENAS RIAS

















           Porque sou feio tu nem sabes que existo. Porque sou tão pequeno, tu nem me vês, quando te olho. Existo Cristina. Desde o dia em que te vi na capa daquela revista. És alegre, e, no entanto, tens os olhos sensualmente tristes.
          Segui teus passos apreensivamente e vi-te deitada sobre o feno. Tu não te lembras. Corrias vaporosa, talvez, os lugares chique do mundo, quando te tomei pelo braço e te trouxe a meu quarto. Pus u’a música, deliciosamente sensual, na vitrola, perfumei-me com essência de jasmim e corri prus teus braços. Tinhas uma camisola branca com rendinhas amarelas. Olhavas par o teto, pensativa, com a mão direita sob a nuca. Com a esquerda, guarnecias a camisola, talvez por resquícios de pudor. E fiquei minutos em pé a te olhar. Teus cabelos negros. Teus olhos castanhos. Tua boca sempre entreaberta. Eu me lembro. A camisola jazia entre tuas pernas, formando um lindo triângulo. Pairava um cheiro de flores silvestres. Tu não dizias palavra. Parecias estar gostando. Parecias não estar gostando.
          Nu. Eu te olhava. A mão começou a acariciar-me. A esquerda. A direita. Tocava meu rosto. Meu peito. Meu umbigo. Descia por minhas pernas. As unhas faziam cócegas gostosas e engraçadas. Os dedos se enfiavam docemente entre os pelos. Meus olhos se enchiam d’água. Minha boca ressecava. Meus gemidos não te assustavam. Mas eu me recordo. Eram estranhos. Dolorosos. Solitários.
          Às vezes, tu viravas o rosto tristemente e paravas meu movimento. Punhas a cabeça sobre o braço e quedavas pensativa. Descobri um angulo agudo nos teus braços, por onde tu mostravas os teus seios de pontas vermelhas e eriçadas.
Eu recomeçava o jogo. Tinha passado um creme nas mãos par amaciar. Agora me sentia melhor. Te disse que gostaria de ser bailarino, porque acho que um bailarino sabe mais fazer amor. Te prometi fazer um poema inspirado em ti. Talvez tenhas esquecido ou nem saibas disto, mas demoramos mais de duas horas no jogo do amor.
          Tu me prometestes um postal de Roma. Tu me pedias para falar. Falar. Falar. Porque gostavas de ouvir meu falar brasileiro. Eu achava sensual teu falar italiano.
          Eu te coloquei entre minhas pernas e tu gritastes, que estava te amassando. Tinha esquecido a tua fragilidade. Que ânsia. Já eram três horas da manhã e eu não estava cansado, apesar de ter acabado de chegar de longa viagem de ônibus. E pensar que no dia seguinte teria de fazer uma prova às oito na faculdade.
          Eu te expliquei que vivo uma vida atribulada, morando no interior e estudando na Capital. Além do mais, tenho meus problemas financeiros, pois inda este mês, tive dois títulos protestados pelo banco, por falta de pagamento. Que sou bom profissional, porém, ainda não tenho o reconhecimento  público, e que nesta profissão, está mais em jogo os interesses políticos e econômicos do que mesmo a capacidade profissional do indivíduo. E que se fosse um rapagão,  irresponsável,  brincalhão e burro, mais sucesso teria do que sendo cerebral. O jogo do amor se tornava extenuante e demorado. Outras vezes, mal começava, chegava ao orgasmo. Sem graça. Insosso,  egoísta.
          Contigo talvez tenha sido inibição. É um sonho louco ter-te em meus braços, na minha cama, quando sei que todos os homens do mundo te desejam. Tu não te recordas, mas foi preciso repetir o disco várias vezes. Ouvia-se ao longe o latido de cães e a zoada dos autos na avenida. Eu não sabia mais se os latidos ali eram do Animals Dogs de Pink Floyd ou de cães perambulando na madrugada. How  I wish you were here. Chorava a guitarra, cortando minha carne, rasgando minh´alma, chorava eu. Cansado estava. A mão direita não mais suportava movimento algum. Estava disperso. Acendia a luz. Apagava a luz. Olhava tua imagem. Concentrava-me. Em ti. Me lembrava de cenas vistas na infância, algumas das quais eu participara ativamente. Um casal de cachorros. Uma jumenta. Gatos miando no telhado. Os gritos lancinantes de uma porca. O dia em que peguei Terezinha debaixo de um pé de quixaba.
          Não conseguia. Estava molhado de suor. E ia desistir. Me olhavas tão meigamente triste. Lembras-te? Amarrotei teus lábios, teu pescoço, teus seios, teu corpo. Um frêmito perpassou-me todo o corpo. Como uma navalha. Veio do mais dentro de mim um líquido. Cortante. Inundando nossos corpos. Lacerando nossa carne. O perfume do amor invadiu o quarto e a música. Gritei um grito de prazer e dor.
          E tu silenciosa apenas rias.
          E tu silenciosa apenas rias.
          O riso moreno de teus olhos castanhos.
          O sorriso. O mistério da madona.
          Me vi.
          Só.
          As mãos.  Meu corpo. Teu corpo. Umedecidos.
          Enxuguei-me com tua roupa. Tu te lembras? Fui ao banheiro e joguei tuas roupas na cesta de lixo.
           Tu te lembras?



(Publicado na Coletânea GOTA D´ÁGUA, Ed. CONTEMP/GALDEN’s, 1990, Salvador).


Continuação no livro NOITE EM PARIS, breve nas livrarias.



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