domingo, 6 de março de 2016







Didi  entrou na estação Odeon. Pegar  o metrô, ir a La Nation. Neste tempo, ele ostentava uma imponente barba que lhe dava um aspecto sisudo e senhorial. No vagão,  uma turma de indianos, cinco ou seis, falavam ao mesmo tempo, parando repentinamente a conversa. Tempos de guerra entre Paquistão e India, 1965.  Paquistaneses e indianos se odiavam onde quer que se encontrassem.                      
- Paskistani, disse um daquele grupo.
- Paskistani? Interrogou outro.
 De onde estava só se chega a La Nation, pegando a correspondência em Chatelet,  com  Porte de Vincennes.  Não teve coragem de esperar, desceu em La Cité. Esperar outro trem, porque os indianos o olhavam ameaçadoramente. Deus meu, não temos uma característica que nos distinga. Parecemos com todo o mundo, menos conosco.  Marroquino, argelino, ou tunisino aqui; Indiano, paquistanês em Londres, Indonésio na Holanda; Turco, na Alemanha. Ouve lá, pá, que mistura danada fizestes no Brasil com  índios e africanos? Pode ser um mal, pode ser um bem. Sem corpo, nem cara, confundido e aturdido, colonizado, vitima sempre. Tenho que gritar. Brasileiro, sou.
Um sou, pediam clochards, em bando. Contra esmolas, não são esmoleres. Não, como no Brasil. Muitos pedem por beber, aqui também, matar o frio. Guarda-chuva de pobre é cachaça, diziam Raul Sampaio, Francisco Anisio e Rubens Silva todos juntos, na marchinha. Medo, tenho  medo, clochards desbocados, sempre com um faire chier na boca,  fedendo pelos poros, por todos os buracos. Zé Canário fedia menos, com sua tremedeira, guturais gritos dos farrapos profundos, saídos e sacudidos pelos pés-de-vento  nas tardes ensolaradas de Capela. Redemunho, o rastro do Saci-pererê. Nunca tive coragem de prender o Saci na garrafa, tinha medo dele furar a urupemba e fugir, depois voltar pra me levar.

Ir a La Nation fisgar um jantar de Guy, le  Maupassant, o bel ami, o malpassé mal-passado, como costumava chamá-lo, de acordo com a situação. Economizar  um tíquete do restau-U,  ainda tomar um banho, ouvir música, ler, discutir. Um pouco de tudo, homenagem ao dolce far niente. Poderia  servir a alguma coisa agora ou no futuro. Nada fazer é fazer tudo. Trabalho é saúde? mas aliena a mente, tornando-a bruta e preguiçosa.  Ter somente para si os momentos da laboriosa preguiça que nos leve a mares nunca dantes navegados, nos conduz ao inferno,  purgatório e  paraíso, sem o auxilio de um Virgilio, sem o barco de Caronte. Momentos de alegria, paz, serenidade, caífe. E isto não se encontra no burburinho das multidões, no azáfama diário. Um cantinho, (Am6) um violão, este amor, (G#º (b13)  uma canção (Gm7) muita calma (Fm7) pra pensar, (Bb7/9) e ter tempo (Em7) pra sonhar, (A7/13) (Am6) dizia Jobim, é  tudo o que precisamos para se obrar maravilhas.


Continuação no livro NOITE EM PARIS, breve nas livrarias.

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