Didi
entrou na estação Odeon. Pegar o
metrô, ir a La Nation. Neste tempo, ele ostentava uma imponente barba que lhe
dava um aspecto sisudo e senhorial. No vagão, uma turma de indianos, cinco ou seis, falavam
ao mesmo tempo, parando repentinamente a conversa. Tempos de guerra entre
Paquistão e India, 1965. Paquistaneses e
indianos se odiavam onde quer que se encontrassem.
- Paskistani, disse um daquele grupo.
- Paskistani?
Interrogou outro.
De onde
estava só se chega a La Nation, pegando a correspondência em Chatelet, com
Porte de Vincennes. Não teve coragem
de esperar, desceu em La Cité. Esperar outro trem, porque os indianos o olhavam
ameaçadoramente. Deus meu, não temos uma característica que nos distinga.
Parecemos com todo o mundo, menos conosco. Marroquino, argelino, ou tunisino aqui;
Indiano, paquistanês em Londres, Indonésio na Holanda; Turco, na Alemanha. Ouve
lá, pá, que mistura danada fizestes no Brasil com índios e africanos? Pode ser um mal, pode ser
um bem. Sem corpo, nem cara, confundido e aturdido, colonizado, vitima sempre.
Tenho que gritar. Brasileiro, sou.
Um sou, pediam clochards, em bando. Contra esmolas, não
são esmoleres. Não, como no Brasil. Muitos pedem por beber, aqui também, matar
o frio. Guarda-chuva de pobre é cachaça,
diziam Raul Sampaio, Francisco Anisio e Rubens Silva todos juntos, na
marchinha. Medo, tenho medo, clochards
desbocados, sempre com um faire chier na boca,
fedendo pelos poros, por todos os buracos. Zé Canário fedia menos, com
sua tremedeira, guturais gritos dos farrapos profundos, saídos e sacudidos pelos
pés-de-vento nas tardes ensolaradas de
Capela. Redemunho, o rastro do Saci-pererê. Nunca tive coragem de prender o
Saci na garrafa, tinha medo dele furar a urupemba e fugir, depois voltar pra me
levar.
Ir a La Nation fisgar um jantar de Guy, le Maupassant, o bel ami, o malpassé
mal-passado, como costumava chamá-lo, de acordo com a situação. Economizar um tíquete do restau-U, ainda tomar um banho, ouvir música, ler, discutir.
Um pouco de tudo, homenagem ao dolce far niente. Poderia servir a alguma coisa agora ou no futuro. Nada
fazer é fazer tudo. Trabalho é saúde? mas aliena a mente, tornando-a bruta e
preguiçosa. Ter somente para si os
momentos da laboriosa preguiça que nos leve a mares nunca dantes navegados, nos conduz ao inferno, purgatório e paraíso, sem o auxilio de um Virgilio, sem o
barco de Caronte. Momentos de alegria, paz, serenidade, caífe. E isto não se
encontra no burburinho das multidões, no azáfama diário. Um cantinho, (Am6) um violão, este amor, (G#º (b13) uma canção (Gm7) muita calma (Fm7) pra pensar,
(Bb7/9) e ter tempo (Em7) pra sonhar, (A7/13) (Am6) dizia Jobim, é tudo o que precisamos para se obrar
maravilhas.
Continuação no livro NOITE EM PARIS, breve nas livrarias.
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