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quarta-feira, 13 de abril de 2016




















Num só pé como a bela Empusa, como Saci-Perêrê, andou, andou. Aba sui aba supé. No prego, o pé furou,  su alma, enterrado. Vidrocaco abriu seu pé, no atravessar rua. Teresinha chama, Teresinha. O pé cortado, curar?  Curado,  pó de café, curado. Ele apareceu de repente com uma lupa na mão, colocando em frente a seu rosto, arrastando-o, como a um sonâmbulo, hipnotizado. Arrastando-o como se arrasta uma zorra. Apelidaram-no de Boi, não se sabe porquê, e, todos lá no colégio o tinham por boi, sem a sabença de qualquer outro nome. Dizia, o povo da roça gostar muito dele, porque não tinha a fiduncia  dos doutores da cidade. Ela era baixinha e tinha um cabelo loiro e um sorriso eterno que se trancou quando ele disse que a amava. No colégio perceberam,  não mais se falavam. Não mais caminhar em liberdade, té  Bruno Seabra, falar, falavam de tudo e coisa nenhuma. Um vendaval os sacudiu atirando-os longe um do outro. Neófito nas coisas do amor,  não atinara que um não poderia ser, no futuro um sim. Lhe deu as costas per a sempre. Agora procura em vão sua beleza, que será certamente como a Duília de lindos seios que Aníbal viu um dia. Onde estarás, doce pássaro de minha juventude? Lágrimas vertidas n´escuridão de minh´alma, fostes em vão. Tempo devora vidas. Ah, trampolinagens nos quintais, vida menino. Vade se cagou todo, quando a velha Rosalina, segurando-o pelo braço, começou a bater-lhe. Do pé d´araçá pulei por riba da cerca, sem tempo de avisar,  quando irrompeu, manguá na mão, por trás das árvores, velha, feia e rabugenta. Joga chapéu, Vade.  Ficou chapéu, araçá veio, rolando pelo chão, cair em minha mão. Solto Vade, ficou o chapéu, denunciador troféu. Roubados  araçás comidos debaixo da quixabeira, no açude, em terras de Antonio Oliveira. De seus  fundilhos, Vade tirava tolocos saídos na agonia, enquanto a  velha lhe batia. Chapéu prova do crime, denuncia Rosalina, uma sova em cada um, mãe é pra bater, escola do sofrimento, torna o homem,  homem. Pequerrucho e novo, Subi no pilão. Caído  sobre pernas e cabeça. Machuca pilão, cambota fica. O pé do jegue. Recebi uma patada. Esmeraldo, vai buscar hortelã nas poças. Nanã machuca hortelã, nos olhos põe, ensanguentados pelo coice.  Inda hoje, ninguém desta  travessura.  Jumento é bicho manhoso, quando sestra, sai de baixo. Na queda, nem a de cavalo. Quando o tino vai chegando,  aprende-se  a lutar com os bichos, que mais parece gente, não falam, mas entendem o que se diz. Um pouco, gente. As fêmeas são até mulher de muito macho, que aprende com elas os segredos da machice. De vez em quando tem um desastre. Arbino não morreu de jega? Pois morreu, foi comer, saiu comido, caído, de braga aberta  achado, pelo coice, d´ovo inchado.  O véi Quinca foi com  bezerra, encontrado no curral, ensangüentado. Quinze dias durou,  a conta de contar, com pejo, o sucedido. O dedo na porca e olho na porta, até estremecer de gozo. Valdemar mandava buscar espinho de mandacaru pra furar as bolhas de bexiga, antes que ela o  matasse, como matou Ramsés V e Luís XV, O Bem Amado. Saía-lhe um pus amarelo. Lenço limpando  a carupemba.  Sai de perto menino, bexiga pega. Se não chovia,  bebia água salobra da presa de Pedro Carneiro. Na feira, Pedro  vendia água de pote.  Está chegado em Capela, meninos marcham em roda da carnaúba, um tambor marcava passos indecisos.  Viu Zé Mancambira  no oitão da casa de Lane, última  na estrada do Noventa. Arremeda  o zunido de um carro. Seu mantra, seu calmante. Arreliavam dele, em sua capa colonial. Roque de Damião gostava de fazer medo.  o mundo ia acabar. Dona Juliana gostava de mijar em pé.  Abria as pernas, xíiiiiiii. Não se importava que a gente visse o rego se  formar. Canta, canta  Maria Pinhão toda tarde, a tarde toda. Roda Pião, roda pião, roda pião.  Dona Rola se  irritava com a inticação da Pinhão. Perder seu marido de vez a Pinhão não  leva não. Não chore não, Lé / pra que chorar,  Lé, / a vida é esta / um amar, outro gozar, Lé. As tanajuras, enquanto vida ainda lhes sobrava, esvoaçavam, esvoaçavam no verão das chuvas primeiras. Zuuuuummm. Os pernambucanos, calejados da seca, as pegavam, concorrendo com pássaros e tatus,  par comer assadas. Cortavam-nas pelo abdômen as jogavam na frigideira, com manteiga ou seu próprio óleo amarelado. Herança de nossos índios e já apreciado por Anchieta e Gabriel Soares de Souza, chegados numa bundinha de tanajura. Cai, cai tanajura na panela da gordura!  Cheiro danado.  Hoje comprovado, fonte de proteína mais que o boi, até projetos em estudos de criatório de formigas e outros insetos. Suprir o mundo de proteína, cada vez mais cara com as carnes tradicionais. Não dizem que formiga faz bem pra vista, e nunca se viu um tamanduá de óculos?  O povo é sábio:
Não existe melhor cura
P'ra doenças de garganta
É bunda de tanajura
E injeção não adianta


Sertão, o flagelo da seca. Morre-se de sede e fome. Estão os homens interessados nisto? Tão barato um poço artesiano. Não, o dinheiro  é só  pras orgias, metrôs, campos de futebol. Grandes obras enriquecem. Mais empresários que políticos, pobre paus-mandados.  Daniel aleijado trabalhava na semana e nos dias de feira pedia esmola. Mordendo a língua  concertava arreios, fazia bainhas. Facas, facões, punhal e punhaletes. Vindo d´aroeira, criou filhos, com exemplo de coragem e abnegação.  Cirilo remendava  sapatos, rindo a morrer do sucesso triste. Só se ria de miséria. Um Diógenes remendão se rindo da miséria do sertão. Que mal havia no mundo que não fosse pra purificação do homem? Não se chora do mal, ele é nosso mestre.  Quem com ele não aprende, com mais nada aprende. Melhor a loucura que o prazer, embebedar-se com o prazer escurece a mente e nos deixamos dominar pelos mais fortes e mais sagazes; Da vida só precisamos viver, melhor viver entre corvos que entre bajuladores. Os corvos só comem os mortos; bajuladores devoram os vivos. Ri é o melhor remédio. Mata tua angustia e a do próximo. Cínico ou estoico  tu Cirilo ensinastes até a quem não imaginastes ter como aluno. N´Aroeira, Pedro Marcilio, vaqueiro,  pega boi no calumbi.  Toda feira bebia, a feira toda. Enciumada de Angerca,  Pedro Marcilio furou, com peixeira na barriga, corria  Constança,  gritaria,  bofe e tripa segurando.  Pedro Marcílio afamado, vaqueiro, dele diziam, caparia de um só golpe, um cabra de Lampião. Dona Oláia fazia suas lapinhas imitadas, mas não igualadas.  Dézinha gritava sua dor, olhos negros sobre todos. Medo? ou proteção  querias?   O povo, sim, tinha medo. Alma penada no mundo. Encosto de  noivo morto.  Paixão. Fuga de noivo, na  lua cheia, na garupa traçoeira do alazão,  amiga leva.  Encarnação do tinhoso. Se fosse na Idade Média, os padres já a tinham queimado,  como se queimou Joana D´Arc, depois virada santa. De possuída a santa. Dizia falar com Deus. Quem és tu pecadora, pra falar com Deus?  Dos mais santos poucos papearam com ele.  E tu presunçosa, blasfemas contra o senhor, dizendo conversar com ele? O que tu ouves? Não é mesmo, a voz de Belzebu, fingindo-se de Deus?





Continuação no livro NOITE EM PARIS, breve nas livrarias.

segunda-feira, 14 de março de 2016













Madame Faure abriu, grande, os olhos. Verdazulados. Faure, tradicional família entre os francos. Há Faure pra tudo, até presidente. Felix Faure, pois não morreu de língua?. Fazia sexo oral no Palácio do Eliseu,  com  Marguerite Steinheil.  Não se sabe que língua o matou, se a dele ou a dela. Também mais tarde, o Cardeal Jean Danielou vai morrer fazendo sexo com uma prostituta. Fica provado: Putaria e corrupção rondam o poder como fazem urubus com gado faminto no nordeste. Nem deixam o boi morrer, começam estripando o mais vulnerável das vitualhas:  o anus, a vagina, os olhos, a língua amolecida na boca do  animal agonizante, estremecendo e contorcendo-se de dor pelas bicadas. Lixeiros do mundo, aves e cães. Lida  pelo melhor pedaço, vence o mais forte.  Também o homem, quando se entrona  ou  busca o poder. Pior, insaciável. O animal quer matar sua fome, mas limpa terra. Ele quer ser jornalista, imaginem o  quanto insólito será escrever daqui a vinte anos sobre nós, adivinha-se personagem. Claude, pragmático, menos filosófico. Gostaria de ser lembrado como um amigo.  Não se pode negar que o fora, como pode ser de estrangeiros um francês. Apelidou-o carinhosamente, Didi, homenagem ao meio-campista, eleito melhor jogar da Copa de 58, o Mister Football, o Folha-Seca.. Prova de amizade. Formal o francês. sem intimidade não apelida ninguém.  Usam o nome de família. Mr. Tel, Mr. Quel. 
Claude, só tu para suportar, com humor,  minha lentidão   no enxugar os pratos,  doirar os metais, no varrer a casa. Jean Deglain, ou era Deglun? (creio mesmo que era Deglun), mais efusivo, mais espontâneo, talvez pela juventude dos dezessete anos, parecia mais amigo, mais cordial, cúmplice, até. A perdição foi a velha Corine. Tão logo anoitecia, preparou  a comida, (Os empregados  comiam, antes dos fregueses chegarem), um prato de sua provence que minhas papilas gustativas não reconheceram de imediato e devem ter enviado  informações falsas ao cérebro,  cumulando por  identificar um sabor não tanto quão agradável, como esperava a velhota. Chega Normando, pergunta pela comida, (ele comia sempre antes de cantar sua Bossa Nova), uma merda, disse. Não há maior ofensa ao francês do que dizer mal de sua comida. Ofendida, no mais íntimo de si, a velha senhora, orgulhosa de sua cozinha, exigiu minha despedida. No dia seguinte. Não soube me defender. Orgulho infantil adjungido à timidez  bloqueando a  defesa. Jogado, adolescente, nos claustro capuchinho,  castraram-lhe os desejos, os impulsos nascentes. Morto o mundo, matado. Vai, aprende agora o que não te fora possível na adolescência, saído do claustro, do claustro saído. É tarde pra a ser criança. Pagarás eternamente tua dívida. Não  parece ter sido assim com outros. A maioria, desinibida até ao exagero, talvez, escondendo seu retraímento. Aqui, angustiante ao extremo. Cá fora, no mundo, como diziam,  hercúleo peso, pros que  pegavam o jegue. Pegar o jegue,  jargão dos frades  e seminaristas, ser posto  fora. Não pegava o jegue quem  pedia pra sair. Eu tinha pegado o jegue, tão logo chegara de férias, em dois anos. Franqueza e falta de malicia.   Aluno exemplar,  piedoso, querido,  obediente à disciplina, fora, como de costume chamado à diretoria. Entrevista com o padre diretor, ouvir  queixas, dar conselhos, orientações. Entrara no seminário por ser pobre,  estudar de graça;  Que a vida de estudo e oração lhe dera vocação de verdade; Que estava sofrendo pressões da família pra sair do seminário; Que queria ser frade e pedia ajuda espiritual. O capucho cofiou a barba, pensativo, o Cristo, lívido e ensanguentado, contorcido na cruz ouviu  o silêncio na sala. Quanto vale ser honesto? Mandado embora. A que serves, honestidade? Quantos  dissabores? Vale a pena?  Assim n´A Feijoada. Não  gostara da gororoba de Madame Corine. O olho da rua.   Ser honesto não é dizer a verdade, é não dizer mentiras. Razão, com Jussiê, cabra curtido no Vale do  Cariri. Imbecil fora, merda é fácil, merde,  ela entendeu. Gororoba, ela nunca iria entender.  A velha Corine substituíra Jean que fora se engajar no exército.  Se ele ainda estivesse lá não teria sido despedido.

Corria à boca pequena, Mr. Kiefer teria sido amante de Madame Faure. Havia, por  isso, uma nesga de ciúme em Claude. Bastava ele vir jantar chez madame, quero dizer na Feijoada. Sentia-se. Madame se desmanchava em gentilezas. Ah!  O sobretudo. Ele mo deu, Mr. Kiefer. Feito por encomenda de  Maurice Chevalier. Vestira duas ou três vezes, devolvendo-o por ter-se  enjoado dele. Rico enjoa fácil. Pobre, enjoado ou não tem que aguentar o rojão. Um par-dessus azul-marinho, forro de fina seda, no Maurice, alto e elegante, caía  bem nos seus 76 anos. Eu, um caniço, miúdo, sumia dentro dele. O peso curvava-me o tronco. Quem sabe a lombalgia de agora,  não seja sequela da sobreveste?  Gostava dela, orgulho de ter pertencido a Chevalier. Mr. Kiefer orgulhava-se de seu corte. Não poucos elogiavam sua linha. Bem talhado, iria apenas  adaptá-lo a meu corpo.  Lástima, nunca o fizera. Sumido nesta veste, correr Paris, buscar trabalho, comida. Hora maldita, esta briga com madame. Errei? Orgulho. Perdão não peço. Comida, orgulho dos franceses. Eu disse merda pra comida, fui despedido. Orgulho e timidez a vós devo o fracasso. O erro existe pra nos ensinar. Quem não o reconhece, nada aprende, nem  vai a lugar nenhum.


Continuação no livro NOITE EM PARIS, breve nas livrarias.