O cair da tarde é para muitos momento de tristeza. Tenho um amigo. Não posso dizer quem. Não sei se gostaria de ser personagem de um escriba de quinta categoria. Aliás, que tal escrever em arremedo do nouveau roman? Não, a esta altura, não posso modificar o estilo para esconder personagens, matar histórias, aniquilar enredos e me fixar em descrições que não saberia fazer. Eu até admiro os Robe-Grillet, os Claude Simon, Sarraute e outros escribas daquele período, confesso, não obstante, certa incapacidade em seguir seus passos. E, para dizer a verdade, melhor, ser mau escritor. mas original, que simples imitador. Retorno ao amigo, atacado, me disse, todas as tardes de enigmática tristeza. Delegado Federal, não digo mais sobre ele, a não ser, que também meu compadre, saía do trabalho porque sufocado dentro da tarde. O psicanalista, in illo tempore, inda acreditava em psicanálise, não sei agora, pós descoberta das sacanagens de Freud contra seus colegas, e dos embustes preparados para manter pacientes fiéis e a peso de ouro, sem nunca ter curado alguém. Não é que, em seu caso, o psicanalista descobriu a causa de sua tristeza e o curou? Assim diz ele, se não estiver mentindo ou mais louco ainda. Criança, teria, à tardinha, morrido um parente, avô, bisavô, sei lá o que, de importância na família, gritos, chororôs, cheiro de velas, o diabo. Ni mim, não. O cair da tarde, me traz lembranças várias. Um cantar da nambu, da saracura três-potes, os últimos gritos do bem-te-vi; Lembro-me bem, primeira vista de Frei Teodoro. Entregue por papai a Frei Virgínio. A pesada porta do convento se fechou e me vi só. Não sei o que se passava no coração de papai. Subi, ao lado do frade, as escadas que davam ao primeiro andar. Fui deixado ali, sozinho, enquanto enquanto entrava, o diretor, na diretoria. Do corredor vinham as vozes dos meninos. fazendo vocalize e o baixo de Frei Teodoro, apontando o caminho para o canto. Não sei se foi isto ou os batuques e chulas que me fizeram tomar gosto pala música.
Tardes. Levam-me à Piedade, o harmônio para os ensaios, o órgão para canto no coro. Tocata e Fuga, ré menor, Bach, dedos ágeis e tranquilos sobre o teclado. Um turbilhão nas colcheias, fusas e semifusas. Fuga, d´algo fugindo. Um galope, me sacode por dentro. Como te invejo, Sebastian! Escrever como tu escreves. Este repetir constante em contraponto e polifônico não se pode fazer aqui. Letras limitam, tu? Sete notas. Só. Mas que infinidade de sinais para marcar tempo e tom, inexistentes nas línguas, todas incapazes de traduzir os sinais musicais. E a variedade de instrumentos. A rabeca de agudo tom e o rabecão de sons potentes e profundos.
Viste. Apaixonado por musica, não que não goste d´outras artes. Mais abstrata a música, não precisa entender, gostar, basta. Agora mesmo, ouvindo Rameau, Rondeau des Indes Galantes, o dia todo. E pensas que me cansei? Como se cansar, ouvir Magali Léger, sua voz soprana e doce, um sorriso brejeiro, encantador, sua firmeza em dizer a notas de seu canto. Rameau sorri e agradece do além.
Viste. Apaixonado por musica, não que não goste d´outras artes. Mais abstrata a música, não precisa entender, gostar, basta. Agora mesmo, ouvindo Rameau, Rondeau des Indes Galantes, o dia todo. E pensas que me cansei? Como se cansar, ouvir Magali Léger, sua voz soprana e doce, um sorriso brejeiro, encantador, sua firmeza em dizer a notas de seu canto. Rameau sorri e agradece do além.