sexta-feira, 29 de maio de 2020

ANITTA, CARTA













                           Não, não posso ir, podemos conversar pelo zape. Não está fácil sair. A coroa que não é do rei, mas de todos nós, está de olho de quem sai de casa. Assim, graças à tecnologia, podemos conversar olhando no olho um do outro, como se estivesse frente a frente. Começo por te dar um só conselho. Esquece, não dê respostas, não dê plateia, ignora, ignora. Nenhuma reposta vence a indiferença. Aniquilação total, os gregos sabiam disto, ostracismo. Bem, a justiça, só. Sem alarde, pra que não se espraie. E depois, quem se importa com brigas? Quem nunca brigou com os seus? Tampouco, dê importância ao machismo, viva a vida. Neguinho vai se acostumar, entender. Mulher pode escolher como viver.

terça-feira, 26 de maio de 2020













           
                                  Quixaba não era preta, mas quis que fosse Quixaba. Pode-se sentir saudades de uma cadela? Sim, ela era, como Dina o foi, como Bambi o foi. Eu peguei um osso dela. Não era pra comer. Hahaha, pra quebrar, ficar mais fácil pra ela. Você precisava ver. Quixaba abocanhou meu punho, o esquerdo, mas ela viu que eu estava querendo ajudar. Olhou para mim com um olhar tão sentido e foi largando meu punho tão delicadamente. Ah. que saudade de Quixaba.

domingo, 24 de maio de 2020


















                                                     A gente saía com uma cuia de farinha, um pedaço de toucinho, uma frigideira. Catar cupim, salalé, muchém. Com facão e foice, cortava o cupinzeiro, as galinhas sentiam o cheiro, vinham correndo, comer. E nós, quase tudo, dês que vivo. Licuri, seu coró branquinho, cru ou assado. Passarinho, ovo de passarinho, de pato, paturi, de cágado, de tudo. Meti a foice num muchém arranchado num monzê. O cheiro subiu. Um já acendia numa trempe de pedras. O toucinho na frigideira sobre trempe já dava os primeiros estalos e a gente ia sacudindo o cupim dentro dela. Eles se retorciam com a quentura. Que cheiro!

sexta-feira, 22 de maio de 2020

MURO DE BERLIM













                           
                                Papai comprou um tatu moqueado na  mão de Duardo da Pedra Bonita. Mamãe fritou-o no toucinho, comemos de sobrar. Nem todos têm comida no prato, ruminava. Seu Joaquim o  vizinho, morava no fundo do armazém de Chico do Sapato, mamãe  de vez em quando lhe dava um prato. Eu pulava o muro divisório e mamãe me dava o prato. Seu Joaquim aparecia na porta, os olhos brilhando. Enquanto comia, contava histórias. Pensava na sua solidão. Perguntava pelos parentes, nada dizia, mudava de assunto. Uma multidão, pás, picaretas, martelos, talhadeiras, marretas, furadeiras, o diabo, subia o muro. Quem diria, Seu Joaquim, anos depois, em novembro nove de mil novecentos e oitenta e nove, iria testemunhar, quedo, a queda em Berlim de seu muro. Sabia. atrás daquela euforia viria a escravidão do dinheiro, a fome dissimulada, liberdade fingida,  sociedade,  todos sob controle.

quinta-feira, 21 de maio de 2020

BARBARA HANNIGAN













                             
                         Kudos to Bárbara. Kydos. Qüidos. Não foram em vão noites perdidas em riba de partituras, dias inteiros afinando a voz, como tio João fazia n`Ourissanga com os pandeiros ao fogo. Afinar o som, em harmonia  com o sertão. Tocar um instrumento, o mais difícil, o mais belo, porém, o mais sensível, desafinando por qualquer motivo é uma barra. Capela mais alegre, com a banda de Cloves. Pífanos,  não quis entrar, avesso à moda. Inveja, porém.

segunda-feira, 18 de maio de 2020

MORTE NA CAMARINHA
















                                  Nanã machucava a hortelã grossa, punha num pano e torcia o sumo no meu olho. Eu saía gritando de quatro-pés. Gritando, vou continuar gritando, até apagar. Não tem como falar no pv de ninguém. Vou morrer sentado agonizando aqui. Minhas mãos estão cianóticas, saturando sessenta agora e sem assistência alguma. Nanã, Nanã, traz o hortelão, a hortelã, o hortelão, a hortelã, Nanã... Alguém aí, tem alguém aí, respondam, estou agonizando, agonizan, agoni... Zero hora e trinta minutos, a última mensagem. Quanto passivos, cordeiros somos, adestrados, adestrados, gado. Louco, tachado, quem grita, se duvidar, trucidado. 

sábado, 16 de maio de 2020

CANÇÃO PA ELA









                                    
   
                              Não chore não, Lé
                              Pra chorar, Lé
                              A vida é esta.
                             Um amar, outro gozar, Lé.
                             
                        Por quem cantas, Maria? Para quem diriges tua voz? Mamãe, possessa, aquela...parecia estar pensando, vagabunda. Não dizer, por recato. Mamãe, Mamãe. Estava mangando de Dona Rola, ah... mesmo depois da surra que levou no caminho do Tanque de Baixo. Ah, meu coração, quem nunca amou, não merece ser amado. Gritou, mesmo depois de ter apanhado. Maria Pinhão, magra, magra, um cipó.


              

                     

                                             

sexta-feira, 15 de maio de 2020

A PERNA DA MESA














                         
                                 Buque um livro, um navio, uma prisão. Se você puser um chapéu no e, fica buquê e aí é ramalhete, mas se você tirar o u colocar um o depois do b, depois tirar o chapéu do e e acrescentar a sílaba te, você já está apelando para a ignorância e então, certamente que muita gente aí vai dizer que você não é do mal, não da tradicional família brasileira, ainda que eles sejam, também, chegados a um boquete. Não é Bocais, o das piadas, boquete, mesmo, não se tem noticia de que Bocais seja chegado a um boquete, mas que ele que apreciava que se o fizesse nele, lá isto se pode deduzir de suas atitudes e conversa. Adivinhem o que está entre minhas pernas? Um silencio ensurdecedor no banquete do rei de Portugal. E ele ameaça revelar. Oooohhh, podia-se ouvir dos convivas. É, É... a perna da mesa. Oooohhh, uníssono. Conte outra Bocage, conte outra. Lá vai. Adivinhem o que está entre minhas coxas. Todos, a perna da mesa. Não, disse Bocais, o que vocês pensaram antes.

domingo, 10 de maio de 2020

E ELA VEIO DE CORONAVIRUS











                                    E veio mesmo. Sem dó, sem compaixão. Não montada num alazão, nem foice, nem gadanho, de bólidos coronados. Agora e Hora de um Chediak com amor. Te levam, Jesus, mas tu ficas com teu sorriso franco, teu olhar penetrante, tuas invenções no palco, tuas noitadas nas ruas da Bahia. Lembra-te quando soltaste os passarinhos de Josito? Um senhor, que tudo viu do prédio vizinho, veio procurar o diretor da Escola para se queixar de ti. Sou o diretor, disseste, ele não acreditou, ficou furioso. E quando fizestes Agora e Hora de Uma Colombina Sem Amor? Professores e alunos conservadores quase te crucificam. Lá se vão longos anos e foi tua passagem pela Escola que abriu os olhos de quem fazia teatro na Bahia.

quarta-feira, 6 de maio de 2020

MANGA QUENTE








                                   Dona Eulália, pra nós, Dona Oláia, armava a melhor lapinha de Natal. Festeira, sempre à frente das festas. O bumba-meu-boi, boi voador de Nassau, os autos de Natal, o Santo Antonio, e até o carnaval.  Ôlê lê, lê, Cadê meu carnaval. Carnaval está morrendo, cadê meu carnaval. Se o samba acabar, também vou morrer. Se o samba acabar, também vou morrer.
                                   Os gritos de Seu Genário no leito de morte, manga chupada quente, comprada na feira, diziam. Gritos? Uivos, ouvidos de toda rua, a cara magra, fina, fina, a sombra na parede, à luz do fifó. De fazer medo. Saí de perto, pra fora, mamãe lá, Dona Rosita, consolar. Ah, os gritos, na cama, nos ouvidos. E Jairo de tia Rita, também de manga. Menos de uma semana se foi, como seu Genário. Mostra tua cara, pedia, no silêncio, no escuro. E tem cara?Ainda nu tinha visto. Nã. Feia, deve ser.  Imaginava, passando no cemitério, pra casa de tia ou de tia São Pedro.



segunda-feira, 4 de maio de 2020

CONVERSA DE BOTEQUIM
















                                      Neco Preto, Antõe Cego, Alexandre Gomes, e outros e outros discutem. De que falam eles, alí,  no bar de Sisino Machado? Papai fazia roça de verão, em suas terrasm lembra Sisino? Milho, feijão de corda, melancia, abóbora. Quando parado o sinuque, conversas daqui pra lá, de lá prá cá,  sem direção, rodando, em zigue-zaque, triangular, em silêncio,  olhares, gritos, risadas, levanta, senta. pula,  rola pelo chão, se acocora e até se peida, sai daí cachorro, hahaha, kkkkk, crémdeuspai.