sexta-feira, 22 de maio de 2020

MURO DE BERLIM













                           
                                Papai comprou um tatu moqueado na  mão de Duardo da Pedra Bonita. Mamãe fritou-o no toucinho, comemos de sobrar. Nem todos têm comida no prato, ruminava. Seu Joaquim o  vizinho, morava no fundo do armazém de Chico do Sapato, mamãe  de vez em quando lhe dava um prato. Eu pulava o muro divisório e mamãe me dava o prato. Seu Joaquim aparecia na porta, os olhos brilhando. Enquanto comia, contava histórias. Pensava na sua solidão. Perguntava pelos parentes, nada dizia, mudava de assunto. Uma multidão, pás, picaretas, martelos, talhadeiras, marretas, furadeiras, o diabo, subia o muro. Quem diria, Seu Joaquim, anos depois, em novembro nove de mil novecentos e oitenta e nove, iria testemunhar, quedo, a queda em Berlim de seu muro. Sabia. atrás daquela euforia viria a escravidão do dinheiro, a fome dissimulada, liberdade fingida,  sociedade,  todos sob controle.

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