quinta-feira, 11 de outubro de 2018














                                Rapaz, eu te disse, vai com cuidado, o Brasil é país povoado por pessoas que parecem gente, cagam,mijam, comem e bebem, mas tudo ao mesmo tempo. Te preveni, não preveni? Mas ainda assim, você cometeu um erro imperdoável. Vocês não têm um especialista em comunicação,  não? Temos, mas onde erramos? Em verdade, eles foram até injustos com com você, se eles tivessem pensado um pouco, teriam percebido que você estava fazendo propaganda exatamente do cara que vocês acham que estão combatendo. Veja, Roger, quando você, para atacar alguém fala somente dele, sem mostrar o outro lado, e portanto sua preferência, você estará fazendo exatamente o contrário do que pretende. Você está fazendo propaganda do cara. Olha aí, um idiota anda dizendo por aí, que você é cafonérrimo. Pink Floyd, vocês representam o que de melhor se fazia em música naqueles tempos, a resistência é marca registrada de vocês, não ss pode jogar tudo isto fora. Acho até que você foi enganado pelos promotores do espetáculo. Eles poderiam ter dito que a plateia brasileira é elitista, de direita e até mesmo nazista. Só eles podem comprar um ingresso a turma de esquerda, se comprar um ingresso vai passar o resto do mês passando fome. Te jogaram no meio dos leões. Não é assim que se faz. Uma análise bem feita poderia ter evitado vexames, e se poderia outra maneira de ajudar o candidato de esquerda que você, infelizmente não teve nem pronunciar seu nome, terminando por fazer propaganda gratuita do candidato que você queria combater. Vamos ver na outras cidades, como se deve fazer, mas se você não me ouvir é melhor nem me procurar. Estou cansado de pregar no deserto.

quarta-feira, 3 de outubro de 2018













                                              A Kim me ligou. Sim, cara, a Kim Kardashian, el´ enche o saco, com seu papo chato. Uma bela pessoa, mas, cara, com momentos insuportaveis. Quando puxa de um assunto não acaba nunca. E, rapaz, tem-se  de lhe dar total atenção, senão  vira uma jararaca. O que conversamos? tudo, moço. Ela é sem limites. de tudo fala e de todos. Simpática, pode acreditar, apesar de  esparramar esnobismo para todos os lados. Quer por divina força, que volte a Paris, lhe mostrar os lugares que morei, os bares que frequentava, quer esmiuçar minha vida. Não posso lhe negar tais pedidos, não posso, porém, desvendar-lhe toda minha vida. Quem o faria? Quem não tem segredos a levar para o túmulo? Lembro da Sissel. Dizia. Um dia vão te arrancar tudo dentro de ti. Ria-me, eu, disto. 

sábado, 15 de setembro de 2018













                                       


O dedo na porca de olho na porta até estremecer dedo dedos punho punho mão mão inteira em ti nas ruas do Julião  vagidos de gozo e dor no abandono do tempo caído sobre teu corpo por brutos violado cordas  que o tempo viola  aturdida fome de carne e luz  espaço  zaratempô seca a voz beber queremos todos escravos grita serás ouvido na língua do mundo grande pequeno estranha rebeca  diz histórias faz sonhar e correr mundo abre alas  quero passar como Zé Mancambira queria sou eu sou eu o Mancambira do mundo Horus d´Isis sou eu renascido na noite em Paris perdido na porta do globo abandonado n´amplidão hostil perdulário e pobre pede um sou pagar o omelete comido na Saint-Germain com que cara se riu Gandra rio Sena, qui cena atirei no mar o mar vazou atirei na moreninha baleei o  meu amor no mato verde que sonho não vejo o mundo acordado vai ensina o mundo e aprende kar cidade  sol amon  razominorum sacode este coco moreninha não deixe o coco cair desce do céu te quero na terra  saciar a sede matar a fome verte  lágrimas irriga a terra mãe de todos os começos joga teu laço apanha o ar derrama sobre nós folhas caídas sob os pés silvo de vento e água trêmulo e faminto à busca d´aconchego com frio não entende o flic sem fric onde vai dormir está rodado o suplicio da roda chuviscos de outono vento arrastando folhas sapatos molhados nos pés quebrados versos versus mundo estou in mundo ne ‘stou eis a questão d´água surge a mulher a mesma semper  vestes  transparentes vestais renovados sonhos  ondas do infindo de onde vens eterna  visão de noites em criança tenra nas camas de lona e vento das noutes frias de inverno ao fogo do longo verão desperta-me mil chocalhos de mula imaginária cavalgadura dos sonhos de menino ensandecido por los mistérios da vida  pulula em cada canto  brinca de esconde-esconde chama ardente inapagável alimentando o pensamento viagem per Il  mondo ver é vencer é gozar mil cores  noites  gozei  estreladas como um Van Gogh cantigas de roda ouvir meninas Pai Francisco entrou na roda Teresinha de Jesus de uma queda foi ao chão que Ninguém me tribute lágrimas, nem lamente minha morte, a caminho estou  imortal faço meu Rubicão a ti fortuna acompanho aos fados me entrego veneno da solidão  sacode a poeira vencer é amar moço lindo cobra Norato sou eu sou eu corre corre corre mundo já não canta aracuã no pé de juá cantar o canto triste tarde vento quente  sestroso balançando a capoeira, derribando algarobeiras, monzês e aroeiras serenata  batuque acorda Nepomuceno ensina Brasil. Eu quero ouvir, eu quero ouvir batuque. Teresinha tu hoje vai, Teresinha tu hoje vai.




quarta-feira, 15 de agosto de 2018











                                                      
                                                       
E como não lhe davam pedrinhas para comer misturada à ração diária, as aves passaram a comer areia, pedaços de metal, vidro, ossos, pedaços de ladrilho e tudo que encontravam para substituir as pedras de que necessitavam para a trituração dos alimentos. Assim, estes objetos se quedavam na moela, pois não  eram digeridos pelo suco gástrico e às vezes chegavam a obstruir o intestino. As pobres  aves ficavam então tristes, penas ouriçadas, asas caídas, cambaleantes, sem fome, sem defecar ou com diarreia e depois morriam como gado que pela seca, comia pano, papel, papelão, borracha e plásticos. Iam ficando tristes, pesados, lentos, preguiçosos e caíam para não mais levantar. Morto, abria-se o bucho, incrível aonde leva  a fome. Com fome, também o homem faz coisas que ele próprio duvidaria. Como cães comem as próprias fezes, sedentos bebem a própria urina.  Nas noites de Paris, corrido da Feijoada, corria atrás de pratos pra lavar por comida. Enxotado por uns, acolhido por outros. Comer, inda levar para Jussiê,  envergonhado de Quixeramobim. Filho de padre e freira. Trígamo guloso. Aventureiro, irias morrer se fosses  a Florida de jangada, mesmo com rezas ao Nkisi Tempo, Viracocha, Anubis. Tu não atravessarias o Vale. Que sorte, quantos não morreram enterrados nos claustros. Olorum didê. Ficastes para contar.
Estou contando a história de Jussiê, com 18 anos,  analfabeto e aos trinta encontrado na Sorbonne, Universidade de Paris estudando letras e literatura francesa. Falava-me  de seus 11 irmãos, criados no Quixeramobim, terra dos quixarás, comendo jerimum, tocando todos, algum instrumento, que padre e freira revoltados proibiram de estudar.



terça-feira, 31 de julho de 2018

               












                                   
                                             
Era vinte de dezembro de mil novecentos e setenta e dois. Me vi  no Campo Grande, no meio de uma multidão. Sem razão aparente as pessoas começam a correr para o Corredor da Vitória. O que aconteceu, ninguém soube.
- Corre, corre, é a policia, gritavam.
Eu não tinha razões para correr, não fora o aparecimento repentino  de tanques, tratores e outros carros militares. Vinham destruindo tudo. Mas, quando de fato comecei a correr já se tinham  cercado tudo com arame farpado. Enormes redes de arame. Uma armadilha. Soldados de todas as fardas cercavam o resto. Eu vencia as cercas de arame, mas outras surgiam à minha frente, indefinidamente. Corri desorientado, muito e muito, como se estivesse no escuro. Muitos, muitos dias, e ao abrir os olhos estava no Bonfim, o domingo de Bonfim. Barracas tocavam músicas, no samba de roda, mulatas se sacudiam, na roda de capoeira Caiçara rodopiava o rabo de arraia para impedir a  cabeçada de Bom Cabelo. Como mágica, cercas de arame, soldados, bombas estourando, gaz chiando, gente correndo, mulheres gemendo, uma criança cai no tacho fervente de acaragé. Uma batalha como se fosse a final. Por que fazem guerra, os homens?
Quantos minutos, quantas horas as escaramuças? Coalhada ficou a Baixa do Bonfim. Corpos, queimados, mutilados, tecidos, roupas, pedaços de madeira,  fogões, geladeiras, garrafas, espetos, churraqueiras, pneus fumegando, ferros de engomar, rádios e radiolas, camas, mesas, cadeiras, arlequins, pierrôs e colombina saindo com o sorriso da dor.
Pouco a pouco, como caracóis saídos da concha, vinham chegando. E como formigas avarentas pegavam do butim o que podiam e já entre si tentavam vender o que traziam às costas, na cabeça, nas mãos. Acolá tentam arrancar o dente de ouro de um que jaz semi-morto. Outro foi tirar o relógio de um defunto que acordou e deu um tapona no lalau. Os soldados se misturaram à turba para saquear o que ainda tinha alguma serventia. Como o primeiro de abril de 1964. Corri da faculdade cercada de tanques de guerra, mas soldados me pararam e tomaram os cruzeiros guardados para pegar ônibus da liberdade que partia do Campo Grande. Bela maneira de combater a corrupção. Hoje, os togados tomaram a si o combate à corrupção, mas  se enchem de sinecuras com auxílio isto, auxilio aquilo, nepotismo e todas a benesses que o poder proporciona.

sexta-feira, 22 de junho de 2018











                                       O cair da  tarde é para muitos momento de tristeza. Tenho um amigo. Não posso dizer quem. Não sei se gostaria de  ser personagem de um escriba de quinta categoria. Aliás, que tal escrever em arremedo do nouveau roman? Não, a esta altura, não posso modificar o estilo para esconder personagens, matar histórias, aniquilar enredos e me fixar em descrições que não saberia fazer. Eu até admiro os Robe-Grillet, os Claude Simon, Sarraute e outros escribas daquele período, confesso, não obstante,  certa incapacidade em  seguir seus passos. E,  para dizer a verdade, melhor, ser mau escritor. mas original, que simples imitador. Retorno ao amigo, atacado, me disse, todas as tardes de enigmática tristeza. Delegado Federal, não digo mais sobre ele, a não ser, que também meu compadre, saía do trabalho porque sufocado dentro da tarde. O psicanalista, in illo tempore, inda acreditava em psicanálise, não sei agora,  pós descoberta das sacanagens de Freud contra seus colegas, e dos embustes preparados para manter pacientes fiéis e a peso de ouro, sem nunca ter curado alguém. Não é que, em seu caso, o psicanalista descobriu a causa de sua tristeza e o curou? Assim diz ele, se não estiver mentindo ou mais louco ainda. Criança, teria, à tardinha, morrido um parente, avô, bisavô, sei lá o que, de importância na família,  gritos, chororôs, cheiro de velas, o diabo.                         Ni mim, não. O cair da tarde, me traz lembranças várias. Um cantar da nambu, da saracura três-potes, os últimos gritos do bem-te-vi; Lembro-me bem, primeira vista de Frei Teodoro. Entregue por papai a Frei Virgínio. A pesada porta do convento se fechou e me vi só. Não sei o que se passava no coração de papai. Subi, ao lado do frade, as escadas que davam ao primeiro andar. Fui deixado ali, sozinho, enquanto enquanto entrava, o diretor, na diretoria. Do corredor vinham as vozes dos meninos. fazendo vocalize  e o baixo de Frei Teodoro, apontando o caminho para o canto. Não sei se foi isto ou os batuques e chulas que me fizeram tomar gosto pala música. 
                                    Tardes. Levam-me à Piedade, o harmônio para os ensaios, o órgão para canto no coro. Tocata e Fuga, ré menor, Bach, dedos ágeis e tranquilos sobre o teclado. Um turbilhão nas colcheias, fusas e semifusas. Fuga, d´algo fugindo. Um galope, me sacode por dentro. Como te invejo, Sebastian! Escrever como tu escreves. Este repetir constante em contraponto e polifônico não se pode fazer aqui. Letras limitam, tu? Sete notas. Só. Mas que infinidade de sinais para marcar tempo e tom, inexistentes nas línguas, todas incapazes de traduzir os sinais musicais. E a variedade de instrumentos. A rabeca de agudo tom e o rabecão de sons potentes e profundos.
                                      Viste. Apaixonado por musica, não que não goste d´outras artes. Mais abstrata a música, não precisa entender, gostar, basta. Agora mesmo, ouvindo Rameau,  Rondeau des Indes Galantes, o dia todo. E pensas que me cansei? Como se cansar, ouvir Magali Léger, sua voz soprana e doce, um sorriso brejeiro, encantador, sua firmeza em dizer a notas de seu canto. Rameau sorri e agradece do além.
                                       

Forêts paisibles, Jamais un vain désir ne trouble ici nos coeurs. S'ils sont sensibles, Fortune,
ce n'est pas au prix de tes faveurs.
CHOEUR DES SAUVAGES
Forêts paisibles, Jamais un vain désir ne trouble ici nos coeurs. S'ils sont sensibles, Fortune, ce n'est pas au prix de tes faveurs.
Dans nos retraites, Grandeur, ne viens jamais Offrir tes faux attraits! Ciel, tu les as faites Pour l'innocence et pour la paix. Jouissons dans nos asiles, Jouissons des biens tranquilles! Ah! peut-on être heureux, Quand on forme d'autres voeux?
Já te disse. Gosto mais destes teus cabelos cacheados. É? Já te disse. Não gosto quando você dá em cima de mim. Não estou dando em cima de ti, posso elogiar teus cabelos. Te conheço, Didi. Você vem rodando, cercando a gente, devagar e metodicamente, quando menos se espera, ela cai na armadilha. De tímido você não tem nada. Eu? coitado de mim. Quantas chances perdidas. Vai, me engana que eu gosto. Rapaz, você está soberba como Zima. Sim, eras tu que sorrias apaixonada, ou era Zima? Tive gana de subir ao palco, tomar -te a partitura e te esganar com aquela gargantilha. Nossa, que trágico está você, hoje. Olha que meu marido é ciumento. E daí? não é ele que quero. Brincadeira, você sabe que somos amigos e sou leal. Leal? Se pudesse tirar uma casquinha. Eu que não me abro. Deixa disto. Vamos falar de seu trabalho. Que frescor de interpretação. Bondade sua, sempre gosta do que faço, suspeito. Se fizer um trabalho que não goste, te direi logo. Você deve ser sempre a melhor. Sinto, por exemplo, certa indecisão no verso Ah! peut-on être heureux. Você pode melhorar. É? que bacana, vou verificar. Talvez, uma questão de respiração. Respire em peut-on e diga depois être heureux, mas é um respirar quase imperceptível, deixando entrever uma ligeira ligação. Mas fique tranquila. vi todas as outras interpretações, nenhuma chega aos da sua. Que rasgação de seda.




quarta-feira, 20 de junho de 2018










                                           




  Vôo 020320415453 da Nordeste,em 14.08.2003,  vou, na poltrona, encolhido,  afugentar o medo. Passam nuvens, passam, longe e longe mar e terra, terraimar. Se cair, não vou me afogar, não dá tempo, peixes não deixam, me comem antes. Caramba, sacanagem, peidaram no recinto, vai derreter a fuselagem. Gordão ao lado? Por que ele? Gordofobia. Coitado, vai ver, neem. O circunspecto senhor ledor da frente e não daquele lado?  O jovem  ali detrás? Não acredito, jovem não peida, solta eflúvios de juventude. Um peido intelectual, destes que saem de mansinho e, inclementes, rodopiam sobre a vítima. Leal. Porque aspirar flatos, só de amigos, que ao menos um peido não nos negam, embora saibam, o peido,  bom, só a seu dono. A ele alivia, ao outro, agonia. Avante, saiamos,  buscar a paz noutro sítio.
Voo 1907. Aquela comissária, os cabelos pretos como as asas da graúna. Viva Alencar. São quase todas belas. Não exuberantes de arrebatar viajantes, mas suave e aconchegante, envolvê-los na travessia do medo. Que fazes tu, poeta, sobre as asas desta nave? 
Hum mil novecentos e sessenta e quatro. Apenas chegado à maioridade. Como Jango, corrido do golpe militar. O avião da Panair do Brasil para Recife.  Na mala, carta. O diretor da faculdade o recomenda ao mundo. Noutra, do diretor do serviço médico ao reitor da Universidade de Recife. O jovem vai ficar 5 dias, destino Paris,  peço para hospedá-lo na Casa Universitária. Vôo da Amizade TAP/PANAIR para Lisboa.
Em Recife a noticia. Antecipação do  vôo para o dia seguinte.   Esperar no aeroporto. Nada mais chato. Aproveitar. Conhecer Recife, o centro. A zona. Aprender que garçom em Recife é baiano. As putas, como na Bahia. Moiçoilas  abandonadas pelos país, depois que deram para o namorado ou um aventureiro qualquer. No mais das vezes eram simples aventureiros que cantavam a donzela prometendo o mundo. Vitimas de um machismo atroz.  Se eram ricas e nobres o castigo era o convento, se pobres e plebeias o prostíbulo que aliás não fazia muita diferença. Nos conventos as noviças continuavam a se encontrar com seus amantes com o beneplácito da madre superiora, quando não se tornavam elas mesmas amantes de suas noviças. Em nome de Deus, viva a sagrada putaria, ante-sala do céu. Não, os muçulmanos são mais felizes quando morrem em combate, teem suas virgens lá no céu. O céu cristão só tem  velhos e velhas, beatas babando os olhos do Cristo, nu na cruz pregado, insinuando-se sensualmente, mas, noli me tangere.  Quem quiser que faça sua putaria lá na terra e depois peça perdão para entrar no céu, como fazia Santa Tereza. Um serafim descia lá do céu e vinha jogar sua lança nas entranhas da santa, um entra lança e sai lança que não se sabe como o danado não a engravidou. Por certo era estéril, como todo animal híbrido. Se quiser pode comprar indulgências a preço de ocasião. O papa precisa de dinheiro, fazer as Cruzadas,  fomentar as guerras,  conquistar almas para o Cristo guloso.
Me  vi debaixo das pernas daquela aeromoça inclinando-se a pedido do passageiro, acomodar sua maleta. Como te chamarei? Não importa. Serás mais umas daquelas sem nome que passam como cometas por nossas vidas, alumiando, apenas por segundos o espaço sideral. Depois, foi aquela francesa,  velha  chata. Reclamava de tudo depois pedia-me que  traduzisse seus xingamentos. Reclamou quando em Aracaju o avião foi reabastecido em tonéis. Novo para ela, para mim, muito mais.

terça-feira, 15 de maio de 2018











                                     




                                                                 
Não, este aí, ainda não foi D. Lela quem o escreveu, nem o padre Antonio dos poemas parnasianos da pomba na mão,muito menos um jovem de agora antenado com o zap-zap, internet e redes sociais. Curto e seco. uma crônica policial dos tempos em que a polícia, ainda ingênua, não tomava  o produto do furto e soltava o preso, com um relatório  sucinto, “o elemento evadiu-se do local do crime”, ou ainda, quando o meliante recalcitrante teima  em não dividir o butim e é sumariamente executado e em seguida  lavrado um “auto de resistência”  fotografando-se-o com uma arma na mão.
- Este o resultado na America Latina, depois da tomada do poder por esquerdistas. Trovejou Amando.
- Engano seu, a corrupção não é privilégio, nem criação da esquerda. Você está sendo inoculado com o veneno de jornalistas corruptos e vendidos ao capital. Estourou Didi.
 Ficava indignado quando alguém atribuía a corrupção unicamente à esquerda, tentando obscurecer o fato de a corrupção ser  um fenômeno tipicamente capitalista.
- Sim, porque, o capitalistmo valoriza  o capital e desdenha do trabalho. Logo,  mais propício à  corrupção, dizia, tu ouves apenas o sino da igreja. É preciso beber informações em outras  fontes. Os jornalistas são empregados do grande capital. Você queria que eles falassem mal do capitalismo, para perder o emprego? A corrupção está grassando porque o capitalismo venceu o socialismo.
- Se capitalismo venceu o socialismo é sinal que o socialismo não presta, sarcasticamente, disse Amando.
- Ter vencido o socialismo não significa ser o melhor, pode-se admitr, e é verdade, que tenha sido mais forte, mais eficaz, inclusive na  corrupção. Foi com a corrupção que o capitalismo elegeu Karol Józef Wojtyła, que se tornou  papa João Paulo II.
- Aí você foi longe demais, disse Amando.
- Longe demais? E que você me diz de João Paulo II ter ajudado a corrupção no Leste Europeu para vencer o comunismo?
Quanto se reclama? Já tem gente dizendo que o autor tirou da algibeira o Amando. Saído não se sabe donde, nem para aonde vai. Acostumados a um anuncio do personagem, uma apresentação, muito prazer em conhecê-lo, o prazer é todo meu. Não suportam uma aparição assim de repente, como se a vida fosse ordenada. Teimo então mantê-lo, que se acostumem. Isto não é matemática. 2+2=quatro. Fica aí Baixinho, era Baixinho seu apelido, só o apelido, porque tem quase dois metros. Para contrastar, no banco onde trabalhavam, existia também o  Grande, talvez menos de metro e meio. Baixinho era do interior de S.Paulo, Grande, potiguar. Amando, Amando? Fica-te por aí para aguçar a curiosidade dos leitores.




sexta-feira, 30 de março de 2018

A VIAGEM OU A MANCHETE








Eram dezoito horas e trinta minutos na estação rodoviária do salvador. Janeiro, dez do ano de mil novecentos e setenta e cinco. Era um vai e vem constante dos que se apressam em viajar. Negócios. O homem corre sacolejando sua pasta e suas esperanças. Abre sua gravata ao calor tropical. A velha arrecada dos viajantes uma moeda: precisa viajar não se sabe onde. Nunca tem o dinheiro completo e vai-se deixando ficar interminavelmente. No ar, o zum-zum-zum da gente, as ondas curtas da Central de Operações, o estampido fumacento dos motores
Na plataforma C “Soldadinho” amava. Brilhavam seus olhos e seu coração. Miriam lhe dava mais segurança que suas armas.. Miriam abria seus lábios na sua boca. Nos seus ouvidos. Sussurravam. Iriam fazer uma linda viagem. Antes de chegar no Recife assaltariam o ônibus e teriam dinheiro para bons dias nos hotéis pernambucanos.
A calma dos que confiam em suas forças. Nem sequer se lembravam dos assaltos praticados na Bahia,  quando deixavam suas vítimas inteiramente nuas. Apenas apreensão. “Paulista e Branquinho” ainda não tinham se reunido a eles. Atrasaram-se, com certeza, iriam perder  o ônibus. E a passagem está custando tão caro! Não vale mesmo a pena trabalhar neste país: o dinheiro não vale nada.
Amavam. Os braços morenos encontravam-se e se entrelaçavam, num apertar e afrouxar quase rítmico. O ônibus entrou na plataforma. Recife. Duas, quatro, seis, oito mãos fortes seguraram seus braços amorosos. E trocaram -  bocas, inda abertas pelo beijo,  o conforto do carro-leito, pela desordem da camioneta policial
- Para a delegacia  – Grita, colérico, o policial, e  mais para si - hoje arranco tudo destes dois.
Sirena, fumaça e medo  fustigaram o ar. Quem depois conseguisse romper o engarrafamento de Salvador  e se aproximasse dos porões  da primeira delegacia, talvez ouvisse os urros abafados de um homem. Não. Não. Os assaltos sim. Não matei Negão Laranjinha, ou o soluço de sua mulher e o grito de ciúme :
 - Deixem minha mulher em paz, seus desgraçados.
A Bahia dormiu e acordou com o alarido dos jornaleiros. Preso o assaltante Soldadinho.















terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

                                                   












                                                     
                                                         
Contozinho mais chulé. Ainda assim, vai ser mais lido que tuas maluquices. Tu vais ver. O ACF me fala sempre. Não adianta escrever assim. Ninguém vai ler, eu não leio, imagine os outros. Foi incapaz de ler uma página do Finnegans Wake. Também, pudera, já começa com um tal de riverrun, rolarriunna que ninguém sabe o que é. Rolembergue numa noite em conversas (Rua D´Assas, 16,  Paris, quando perdi o emprego de lava-privadas da Messageries Maritimes.(Duro levantar-se às cinco, quase sem dormir), se encantou com o enredo de romance, nunca escrito, de seu primeiro amor. Um amor não correspondido. Voltando à real dissera da vontade de se vingar dela, ele ficara muito chateado. Que não estragasse tão linda história. Geraldo, um cearense pai-d´égua, também  metido a escritor, impressionara-se com um conto, tampouco escrito, que se pretendia filme.  Foi-lhe contado na pensão de D. Alice, esquina da Mendes Junior com a Praça Rudge, Alto do Pari. O Cristo Assassino. Aconteceu com Lauria, aluno dos Carmelitas. Um crucifixo de ouro prometido ao melhor aluno, dado ao menos merecido. Procissão, do Carmo a Santo Antônio Além do Carmo. Me revoltei, tomei do usurpador um crucifixo, grande,  pesado, e atirei em sua cabeça, prostrando-o no chão. Inda vejo sua cabeça ensanguentada, os olhos esbugalhados como a sair das órbitas. Boca semi-aberta, expelindo filetes de sangue. Esqueço partes e vou à frente, relembro e volto atrás.  Difícil para mim, principio,  meio e fim. Nada tem principio, nada tem fim, algo sempre existe antes do principio e depois do fim. Até admiro,  esta capacidade, esta loquacidade fluente que vai levando o leitor do muito simples e banal até o paroxismo e o gozo com um final feliz. Bernadim Ribeiro não tinha tanta certeza desta fluência da vida quando disse que o livro haveria de ser escrito  como é a vida porque, das tristezas não se pode contar nada ordenadamente. Porque desordenadamente acontecem elas. Não por acaso muitos começam uma história por seu fim, como se estivesse desenrolando um novelo, cujo fim é o principio de tudo. Outros ficam dando  pulos para frente e para trás, alguns contam histórias em paralelo como se nunca fossem se encontrar. Talvez o cinema, com sua facilidade de cortar imagens, sobrepor-se uma a outra, fundir-se com uma ou mais de uma imagem tenha influenciado esta nova maneira de contar  estórias. Olhemos bem e veremos. O homem sempre foi assim. Incapaz de racionalizar totalmente suas ideias. As vidas se repetem? Prometeu, Osiris, Buda e Jesus tem a mesma história, em suas três fases,  partida, iniciação e retorno? Mas nem todos a contam da mesma forma. Não é atoa que existem gramáticos tentando normatizar a fala, dirigindo-a para se tornarem compreensíveis. Quem seria capaz de continuar um história depois de abruptamente interrompido? Mesmo uma dor de barriga pode mudar o fio de uma história. Não dizem que, ao receber noticias de Portugal  D. Pedro I estava cagando sua dor de barriga às margens plácidas do Ipiranga? Nem mesmo os mais íntimos de Deus, os mais santos se livram de cortes de raciocínio. Madre Teresa, dizem, vacinava o bumbum de crianças em Calcutá, quando foi chamada ao telefone. Ao voltar se confundiu, não sabia onde parou e perguntou: Em qual cu tá? Sejamos francos, um contozinho muito do reles, este. Mas o  pior é  que todo mundo agora quer publicar suas porcarias. Se eu facilitar, até D. Lela, perdida na cozinha do Ginásio Gilberto Viana, lá em  Itambé, vai querer publicar receitas de seus quitutes.  Quero, comer, D. Lela, Quero comer D. Lela, gritava a turma no refeitório para desespero dos padres. Polito, amado professor de matemática; Antonio Rocha de pernas tortas, poemas parnasianos enaltecendo tardes primaveris e vôos de  pombas que não se viam, nestes tristes trópicos, Vicentinho e Vicentão brigando com os maiores do internato, no jogo da bola. Vejam só, já estão  me acusando de já estar fugindo da regra máxima do romance. A unidade. Hydra e outros escritos não teriam nada a ver como os demais.
Ora, unidade, lógica, como se a vida tivesse alguma. Só na cabeça das pessoas, não na vida. Vida, pedaço de surpresas a ser superada  a cada instante. Não dá tempo estabelecer caminhos, impor regras. Eles se nos impõem. O fato é que nem sei mesmo se algo escrito foi sonho ou realidade. Se aconteceu na minha mente de autor ou na dos personagens.  Se o personagem é meu próprio alter ego, ou representa alguém de quem aprendi a história. Quem me disse que sou obrigado a esclarecer tudo isto? Quem me assegura que o conseguiria? Deixemos correr a pena conforme leva a vida. Deixa a vida me levar, vida leva eu. E assim vai outro aí. Talvez seja também um dos mais lidos.

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

O AVISO

                                               














                                                          
O senhor Gregório Teixeira tinha o hábito de mandar sua esposa dormir em casa do sogro, pois este era velho e vivia só.
- Vai, Venância, dormir com teu velho. Coitado, tão só naquele casarão!
       E lá se ia D. Venância passar a noite com seu velho pai. Bem que gostaria de trazê-lo para morar consigo, mas o ancião insistia dizendo: - Só saio daqui para o campo santo. Aqui eu nasci,  aqui vou morrer. Ela não o entendia aquele agarradio a tão bisonho casarão. Seu Gregório aproveitava estas noites para dar umas fugidas. Não tinham filhos, pois dois que tiveram morreram. O Governo não cuida de nossas crianças. Eram três horas da madrugada deste setembro de setenta e quatro. O calor vinha do inferno. E enquanto não tinha dinheiro para adquirir um bom ventilador, ia dormindo com a janela aberta para amenizar seu sofrimento. Entrava um ar fresco, e sua casa sobre o rés-do-chão, montada numa das colinas baianas respirava melhor.
       A cama era de uma madeira barata, comprada à prestações na “Casa do Bem Vender”. Dois meses atrasados  e a ameaça do gerente de vir buscar a qualquer momento o móvel que fazia seu Gregório e sua mulher sonharem sonhos de amor e de esperança. Um lençol encardido escondia o colchão de molas que  lhes fizera o bico de papagaio. Tinham de comprar logo um colchão ortopédico. Era esperar a gratificação natalina. Braços abertos sobre o leito, cuecas fedendo a mijo e bosta, seu Gregório roncava a tranquilidade. Subitamente sentiu uma onda de luz sobre os olhos que só abriram, entre o sonho e a realidade. Viu um indivíduo de estatura mediana. As mãos pretas seguravam um revolver. No rosto, uma toalha. Na cabeça, um gorro. Na cintura, uma corda enrolada.
       Levanta, puto - Ouviu e atendeu.
       - Para o sanitário - Tentou resistir, mas um empurrão mostrou-lhe a força, a sentina e a empusa. Estava sendo trancado. Sentiu. Não teve coragem de gritar. Será que ouviriam? - Ele não ira me matar?
       Uma dor de barriga invadiu seu corpo. Sentou-se no vaso. Espremeu-se. Não saia nada. Se demorou muito não sabe. Se era um homem só, tampouco. Lenta e calmo destrancaram-lhe a porta da latrina. Saiu-lhe um jato de fezes-água.
       - Se quiser morrer, saia daí agora, viu  seu puto?
       Fez-se eternidade. Lembrou-se de que não havia papel higiênico. Não quis limpar-se com a cueca e muito menos com o dedo. Tinha que abrir a porta. Procurar um jornal. Até sorriu. Para que servem os jornais?
    Aventurou-se a abrir a porta Viu não haver mais ninguém. Antes de achar o jornal, achou o lugar vazio do aparelho de TV. O rádio desaparecera. No guarda-roupa camisas e calças se foram. Roubaram-lhe até um mealheiro contendo cem cruzeiros talvez.
    Na mesinha de cabeceira, um bilhete com os garranchos.
  “Ver se fexa sua jinela, viu, seu puto”