JESUINO ANDRÉ DE OLIVEIRA
(João Pessoa, Paraiba)
Era uma manhã de sábado. Estava assistindo o Carnaval na tevê e atentava para a lembrança.
- Tá certo. Combinado! - respondeu o irmão mais novo, disposto a tudo.
- Ei você cabeludo e o outro aí, borá já pra saída! Pra fora!!! – gritou bem alto os brutamontes, rebocando pelo braço os irmãos constrangidos e decepcionados, levando-os até a rua.
Era uma manhã de sábado. Estava assistindo o Carnaval na tevê e atentava para a lembrança.
Para o pobre mortal
ela é conhecida como a “festa da carne”, mas não é tão simples assim. Vai muito
mais além, esbarrando nos desejos e sonhos que cada um de nós carrega ao longo
da vida. É um festejo marcante, principalmente na fase jovem de descobertas,
sempre alternada por momentos alegres e tristes.
Lembrei-me, por puro
saudosismo, que o Carnaval bom mesmo era de outrora. Em João Pessoa as boas
recordações fizeram-se nos clubes da cidade, eventos os quais não tive a
oportunidade de presenciar. O do Clube Cabo Branco tinha o mais prestigiado e
concorrido entre eles. Carregava a mística do status, da pujança e das
convenções sociais inacessíveis para a maioria da população. Um recanto
burguês, por isso mesmo deslumbrante aos olhos dos mais jovens. O Carnaval em
seus salões tingidos de vermelho e branco era o mais cobiçado e aguardado.
Para os
jovens irmãos Fernando e Paulo, esse fato ocorrido nos anos 80 ficou marcado
eternamente em suas memórias. Pela primeira vez foram convidados pelos pais do
amigo Felipe para a folia do Vermelho e Branco, mas esbarraram na
intransigência legal do clube que não permitia a entrada de não sócios, mesmo
sendo acompanhados pelos titulares. Lei é lei. Os dois rapazes ficaram
barrados, admirando de longe a festa agitada no salão com suas belas mulheres,
bebidas e boa música. Ali estava tudo que era desejado, mas seu acesso
impedido. Mas onde há vida, há esperança...
Os dois
ficaram na porta de entrada observando o momento único de agir, de não deixar
escapar a festa – suborno nem pensar, mesmo porque não havia um caraminguá sequer
nos bolsos deles.
- Paulo,
ficaremos de olho no porteiro e quando ele vacilar na vigilância, nós pulamos o muro ali na parte mais escura – arquitetou Fernando na única possibilidade de
participar do festejo.
- Tá certo. Combinado! - respondeu o irmão mais novo, disposto a tudo.
Não
poderiam ficar de fora. Por sinal, eles não eram os únicos, havia outros na
mesma situação. Já passava das onze horas e o tempo não apelava, corria fácil
deixando à margem o momento oportuno. E ele veio! No instante em que o porteiro
saiu para beber água, ou algo parecido, os dois pularam o muro alto dando um
bote preciso como felinos. Transportaram a barreira, peitaram a exclusão
burguesa e os seus códigos injustos. Nada os impediria de sonhar.
Mal posto
os pés no outro lado, os dois caminharam em direção ao salão e quando eles
estavam bem próximo, o famigerado porteiro avistou e avisou aos seguranças
sobre os penetras.
- Ei você cabeludo e o outro aí, borá já pra saída! Pra fora!!! – gritou bem alto os brutamontes, rebocando pelo braço os irmãos constrangidos e decepcionados, levando-os até a rua.
Chamando
a atenção pelo flagra, a portaria juntou gente. A frustração e a vergonha foram
parceiros nesta derrota. De passagem os foliões ficaram olhando curiosamente
para o acontecido. Mais ainda sob o olhar debochado de Felipe, que de longe
apontava e gargalhava para a miséria dos amigos.
Ali,
agora, morria a folia, entristecendo pierrôs e colombinas. Restaram aos irmãos
a máscara desconsolada da madrugada ao descerem a Avenida Epitácio Pessoa em
direção ao mar. A rua estava escura, deserta e uma brisa constante, batia forte
e fria. Tiveram como consolo a trilha sonora do acanhado muxoxo de um casal de
corujas, escondido numa árvore, as únicas testemunhas da solitária caminhada
dos irmãos. Restou apenas o gosto amargo da decepção e o sonho desfeito pelo
destino.
Evoé, evoé Carnaval, abram alas que eu quero passar...