segunda-feira, 20 de novembro de 2017

O CARNAVAL DOS SONHOS


                                                                                JESUINO ANDRÉ DE OLIVEIRA
                                                                                         (João Pessoa, Paraiba)












                   Era uma manhã de sábado. Estava assistindo o Carnaval na tevê e atentava para a lembrança.
Para o pobre mortal ela é conhecida como a “festa da carne”, mas não é tão simples assim. Vai muito mais além, esbarrando nos desejos e sonhos que cada um de nós carrega ao longo da vida. É um festejo marcante, principalmente na fase jovem de descobertas, sempre alternada por momentos alegres e tristes.
Lembrei-me, por puro saudosismo, que o Carnaval bom mesmo era de outrora. Em João Pessoa as boas recordações fizeram-se nos clubes da cidade, eventos os quais não tive a oportunidade de presenciar. O do Clube Cabo Branco tinha o mais prestigiado e concorrido entre eles. Carregava a mística do status, da pujança e das convenções sociais inacessíveis para a maioria da população. Um recanto burguês, por isso mesmo deslumbrante aos olhos dos mais jovens. O Carnaval em seus salões tingidos de vermelho e branco era o mais cobiçado e aguardado.
Para os jovens irmãos Fernando e Paulo, esse fato ocorrido nos anos 80 ficou marcado eternamente em suas memórias. Pela primeira vez foram convidados pelos pais do amigo Felipe para a folia do Vermelho e Branco, mas esbarraram na intransigência legal do clube que não permitia a entrada de não sócios, mesmo sendo acompanhados pelos titulares. Lei é lei. Os dois rapazes ficaram barrados, admirando de longe a festa agitada no salão com suas belas mulheres, bebidas e boa música. Ali estava tudo que era desejado, mas seu acesso impedido. Mas onde há vida, há esperança...
Os dois ficaram na porta de entrada observando o momento único de agir, de não deixar escapar a festa – suborno nem pensar, mesmo porque não havia um caraminguá sequer nos bolsos deles.
- Paulo, ficaremos de olho no porteiro e quando ele vacilar na vigilância, nós pulamos  o muro ali na parte mais escura –  arquitetou Fernando na única possibilidade de participar do festejo.

                 - Tá certo. Combinado! - respondeu o irmão mais novo, disposto a tudo.
Não poderiam ficar de fora. Por sinal, eles não eram os únicos, havia outros na mesma situação. Já passava das onze horas e o tempo não apelava, corria fácil deixando à margem o momento oportuno. E ele veio! No instante em que o porteiro saiu para beber água, ou algo parecido, os dois pularam o muro alto dando um bote preciso como felinos. Transportaram a barreira, peitaram a exclusão burguesa e os seus códigos injustos. Nada os impediria de sonhar.
Mal posto os pés no outro lado, os dois caminharam em direção ao salão e quando eles estavam bem próximo, o famigerado porteiro avistou e avisou aos seguranças sobre os penetras.

                - Ei você cabeludo e o outro aí, borá já pra saída! Pra fora!!! – gritou bem alto os brutamontes, rebocando pelo braço os irmãos constrangidos e decepcionados, levando-os até a rua.
Chamando a atenção pelo flagra, a portaria juntou gente. A frustração e a vergonha foram parceiros nesta derrota. De passagem os foliões ficaram olhando curiosamente para o acontecido. Mais ainda sob o olhar debochado de Felipe, que de longe apontava e gargalhava para a miséria dos amigos.
Ali, agora, morria a folia, entristecendo pierrôs e colombinas. Restaram aos irmãos a máscara desconsolada da madrugada ao descerem a Avenida Epitácio Pessoa em direção ao mar. A rua estava escura, deserta e uma brisa constante, batia forte e fria. Tiveram como consolo a trilha sonora do acanhado muxoxo de um casal de corujas, escondido numa árvore, as únicas testemunhas da solitária caminhada dos irmãos. Restou apenas o gosto amargo da decepção e o sonho desfeito pelo destino.
Evoé, evoé Carnaval, abram alas que eu quero passar...

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