quinta-feira, 9 de novembro de 2017

AMOR AOS BICHOS














                                                 

            Noite destas aconteceu um acontecido que se não fosse sonho diria fora vivido. Talvez houvera sido na casa de Antônio Carlos, Creonte para alguns, Carrera para outros e ainda ACF para mim, não sei. Sim que havia alguns cachorros e algumas cadelas, sucedendo que algumas entravam no cio e procuravam as pessoas para si esfregar, como acontece com os cachorros que sobem em nossas pernas procurando se masturbar. Não me lembro se foi a lambiscóia ou outra qualquer entre as mais de cinquenta, trezentas, sei lá quantas as têm o ACF. Sentei-me em um de seus sofás que não mais serviam do que  repouso de cães e gatos, vivendo, alguns, fraternalmente como não vivem os humanos, quando ela subiu no meu colo e começou a se roçar em mim. Asco, senti inicialmente, mas como sofria um jejum não muito adequado ao homem, comecei a acariciá-la e quando me dei conta estava masturbando-a sem a menor cerimônia, embora muito preocupado em chegar alguém e me visse praticando aquele ato. Pensei. Melhor do que atentar contra a dignidade e pureza de uma menor, como estão fazendo por aí afora, havendo casos até de pais  entregando  filhas em troca de alguns trocados por não haver  outra forma  de lhe chegar às mãos o metal.  Estava eu enleado neste ato quando percebi  alguém se aproximando. Tive de parar. Mesmo tentando  esconder, o sujeito iria perceber, porque minha mão estava impregnada de líquido vaginal e a cadela, parecia estar realmente gostando, começou a ganir e subir em mim.  O cara, não me lembro quem, nem quero lembrar,  um dos serviçais de Antônio Carlos, começou, com uma mangueira,  a regar as  plantas.  Para disfarçar e poder continuar pedi-lhe que  lavasse meu carro, fora na calçada. Iria quando acabasse de regar as plantas e limpar os dejectos dos animais. Abelhudo. Uma vasta casa, cercada de jardins, pude adivinhar.Iria se fazer de ingênuo para  ter certeza do que eu estava fazendo. Levantei-me, escondendo as mãos, entrei no banheiro e tranquei a porta, que ninguém visse minha situação. Estava excitado e confesso,  gostaria de ter trazido a cadelinha comigo. Gritei para disfarçar.Vou tomar um banho, sabendo que Creonte não iria ouvir, também pela zoada infernal de cachorros, gatos, papagaios, pássaros diversos e ainda  o estrondo de aviões, a cada cinco minutos,  tão próximos passavam em riba  da casa, situada na rota de pouso do aeroporto, que, estando na laje, não se podia  suspender os braços, por não serem levados por asas, rodas e trens. No banheiro, tirei a roupa e fiz o que não pude fazer no sofá. Deu-me uma sonolência boa e relaxante, mas não me aventurei a deitar no chão, receio de pegar doenças pelas fezes e urina dos bichos, embora parecessem limpos, pois se cuidava bem da limpeza, percebia-se, lá bem longe, um cheirinho de urina e fezes misturado com o odor de detergentes. Ouvia-se o assobio do regador lá fora, já agora mais perto, talvez limpando sujeiras, talvez bisbilhotando meus atos. Iria conversar com meu amigo. A relação entre o homem e os animais no tempo, na cultura dos povos.  Abri a porta do banheiro, chamando-o. Dei-me sobre uma vasta esplanada onde homens trabalhavam como loucos sob as ordens de um senhor que se fazia chamar de Jean-Baptiste Colbert  na construção de um castelo,  enquanto um urbanista de nome André Le Nôtre  comandava outro tanto de homens na construção de um gigantesco jardim e, mais além, um indivíduo a quem chamavam M. Le Brun, Charles Le Brun fazia carregar estátuas colossais sob o olhar de outro senhor que se dizia alarife e se chamar Jules Hardouin-Mansart. Que pomposo. Milhares de anônimos alvanéis, operários de todo tipo e tamanho.  Enormes carroças transportando a terra retirada para se fazer canais e fontes, outras carregando os restos mortais de árvores sacrificadas, ali vinham outras empilhadas de árvores a serem plantadas. Tanta azáfama e esforço de  animais e homens. Pensei. Como estaria o juiz que proibira o uso de jegues na lavagem do Bonfim? Teria ele, uma crise de consciência por nada poder fazer  contra esta maldade? Sim, era o ano de mil seiscentos e sessenta e oito, construía-se o Castelo de Versailles. Quantos homens morrerão, animais, Quantos?  Em nome beleza, da riqueza?  Quem mais vai se importar com sangue e suor derramados nestas alamedas que embevecerão o turista e encherão de euros as burras da França?  Quem contém a besta-fera, bípede, erectus e implume? Nenhum governo, nenhum déspota, nenhum tirano. Todos foram engolidos pela massa bruta  e sanguinária, juntada se torna uma, independente de cada um, aniquilado por um sentimento único, do qual nunca experimentara antes, nem experimentará depois. Estas ondas humanas destroem continuamente o mundo aos olhos atônitos de uns poucos, isolados, foras do mundo, impotentes e loucos. Quem não se lembra de Antônio do cachorro em Gandu? Assim ficou conhecido por ter degolado a facão um companheiro de tropa e barcaça por este, chegado bêbado da rua, de uma lapeada  ter cortado  o rabo  de sua cadela. Derreando-se sobre a barcaça adormeceu. Antônio, que tinha ido ao rio tomar seu banho e comer sua jacuba, encontrou a  cholinha  ganindo, chorando, sangrando. Pegou do biscol e de um só golpe fez rolar a cabeça e sangue sobre as bagas do cacau na barcaça. Zoofilia? Amar os animais? Mais tarde dirá ao juiz  estar arrependido de ter matado o colega, mas, que fora uma morte merecida. Preferia que ele o cortasse de facão à ter cortado sua cadelinha.
       O mundo virou, hoje é mais fácil você se livrar da cadeia matando um negro que xingá-lo de negro. Matar prescreve, xingar não prescreve. Matar um animal? Toda a imprensa publica. Te condena. Crime bárbaro, hediondo. Matar um bichinho tão desprotegido. A mídia agora registra solidão de cachorro deixado em carro, gatos fazendo sinal de amor com rabo, girafa passeando em zoológico, mas não há fotos que mostrem a real situação do mundo, das pessoas, de seu sofrimento para conseguir um pedaço de pão, uma nesga de cuscuz, um punhado de arroz.
       Mundo louco, não é Védio Polião?

Leda e o Cisne - François Boucher - 1740

Nenhum comentário:

Postar um comentário