Vôo 020320415453 da Nordeste,em 14.08.2003, vou, na poltrona, encolhido,
afugentar o medo. Passam nuvens, passam, longe e longe mar e terra, terraimar. Se cair, não
vou me afogar, não dá tempo, peixes não deixam, me comem antes. Caramba, sacanagem, peidaram no recinto, vai derreter a fuselagem. Gordão ao lado? Por que ele? Gordofobia. Coitado, vai ver, neem. O circunspecto senhor ledor da frente e não
daquele lado? O jovem ali detrás? Não acredito, jovem não peida, solta eflúvios de juventude. Um peido intelectual, destes que saem de mansinho
e, inclementes, rodopiam sobre a vítima. Leal. Porque aspirar flatos, só de
amigos, que ao menos um peido não nos negam, embora saibam, o peido, bom, só a seu dono. A ele alivia, ao outro,
agonia. Avante, saiamos, buscar a paz
noutro sítio.
Voo
1907. Aquela comissária, os cabelos pretos como as asas da graúna. Viva
Alencar. São quase todas belas. Não exuberantes de
arrebatar viajantes, mas suave e aconchegante, envolvê-los na travessia do
medo. Que fazes tu, poeta, sobre as asas desta nave?
Hum
mil novecentos e sessenta e quatro. Apenas chegado à maioridade. Como Jango, corrido do
golpe militar. O avião da Panair do Brasil para Recife. Na mala, carta. O diretor da faculdade o
recomenda ao mundo. Noutra, do diretor do serviço médico ao reitor da
Universidade de Recife. O jovem vai ficar 5 dias, destino Paris, peço para hospedá-lo na Casa Universitária.
Vôo da Amizade TAP/PANAIR para Lisboa.
Em
Recife a noticia. Antecipação do vôo
para o dia seguinte. Esperar no
aeroporto. Nada mais chato. Aproveitar. Conhecer Recife, o centro. A zona.
Aprender que garçom em Recife é baiano. As putas, como na Bahia. Moiçoilas abandonadas pelos país, depois que deram para
o namorado ou um aventureiro qualquer. No mais das vezes eram simples
aventureiros que cantavam a donzela prometendo o mundo. Vitimas de um machismo
atroz. Se eram ricas e nobres o castigo
era o convento, se pobres e plebeias o prostíbulo que aliás não fazia muita
diferença. Nos conventos as noviças continuavam a se encontrar com seus amantes
com o beneplácito da madre superiora, quando não se tornavam elas mesmas
amantes de suas noviças. Em nome de Deus, viva a sagrada putaria, ante-sala do
céu. Não, os muçulmanos são mais felizes quando morrem em combate, teem suas virgens lá no céu. O céu cristão só tem velhos e velhas, beatas babando os olhos do
Cristo, nu na cruz pregado, insinuando-se sensualmente, mas, noli me tangere. Quem quiser que faça sua putaria lá na terra
e depois peça perdão para entrar no céu, como fazia Santa Tereza. Um serafim
descia lá do céu e vinha jogar sua lança nas entranhas da santa, um entra lança
e sai lança que não se sabe como o danado não a engravidou. Por certo era
estéril, como todo animal híbrido. Se quiser pode comprar indulgências a preço
de ocasião. O papa precisa de dinheiro, fazer as Cruzadas, fomentar as guerras, conquistar almas para o Cristo guloso.
Me vi debaixo das pernas daquela aeromoça
inclinando-se a pedido do passageiro, acomodar sua maleta. Como te chamarei?
Não importa. Serás mais umas daquelas sem nome que passam como cometas por
nossas vidas, alumiando, apenas por segundos o espaço sideral. Depois, foi
aquela francesa, velha chata. Reclamava de tudo depois pedia-me que traduzisse seus xingamentos. Reclamou quando
em Aracaju o avião foi reabastecido em tonéis. Novo para ela, para mim, muito
mais.
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